Quase em Cannes

por RENATO SILVEIRA

Engraçado como são as coisas… Aqui em Belo Horizonte, dificilmente temos a oportunidade de receber atores e diretores no lançamento de filmes nacionais (quanto mais internacionais). No ano passado, a situação foi tão crítica que fiz apenas duas entrevistas. Já 2008 tem sido muito mais movimentado. Para se ter uma idéia, de junho para cá, realizei nada menos que sete entrevistas, uma delas com ninguém menos que David Lynch. As duas últimas aconteceram ontem e hoje.



Na verdade, a dessa segunda-feira não foi em BH – eu estive em São Paulo para o lançamento de “Ensaio Sobre a Cegueira”. O filme abriu Cannes este ano e chega às telas brasileiras no próximo dia 12. Teve a cabine de imprensa pela manhã e, logo depois, a coletiva com Fernando Meirelles, Alice Braga e uma atriz americana pouco conhecida chamada Julianne Moore, não sei se vocês conhecem…

Brincadeiras à parte, foi um dia muito proveitoso. A começar pelo filme, que é bastante radical na proposta visual, destoando de tudo que o Fernando já fez antes. Como a história, adaptada do livro homônimo de José Saramago, o filme busca uma forma de imersão na experiência vivida por aqueles personagens. A branquidão obtida na tela através de filtros, lentes e cortes chega a ser angustiante, até opressora. Incomoda, mas ao mesmo tempo é ótimo ver um diretor nosso se arriscando a experimentar a linguagem dessa forma. Dá a impressão de que algumas cenas foram “mal feitas” de propósito – algo que o próprio Fernando confirmou mais tarde, na coletiva, dizendo que sua intenção era fazer parecer que um cego estivesse operando a câmera nesses momentos. Detalhes importantes: as legendas pretas, devido às imagens brancas na maior parte do tempo; e as famosas logos intrusas da Lei de Incentivo da Ancine antes do filme começar, sendo que em nenhum momento temos a sensação de estarmos diante de um filme brasileiro.

A coletiva correu como toda entrevista badalada. Muita gente, pouco espaço. Muita fama, pouco tempo (foram só 45 minutos). Muitos fotógrafos, pouca educação. Logo quando a Julianne entrou, eles correram para a frente da mesa onde os entrevistados ficaram e praticamente se atiraram no chão. Eu estava filmando a entrevista da primeira fileira e tive que desviar a lente das cabeças por algumas vezes. Mas fora isso, deu tudo certo. Julianne foi uma simpatia só e me surpreendi ao constatar que ela é ainda mais bela pessoalmente do que nos filmes.

Consegui emplacar uma pergunta (que foi respondida pelos três) na coletiva, o que considerei uma pequena vitória, tendo em vista que muitos dos colegas presentes ficaram na fila e não conseguiram falar. Aliás, a Folha publicou uma matéria usando parte da resposta que a Julianne deu à minha pergunta. Claro que não perguntei se ela tinha pintado os cabelos para o filme. O que eu quis saber foi se os atores tinham idéia de que o visual das cenas seria tão branco, ao que ela disse que sua “loirice” acabou coincidindo com a paleta de cores do filme.

Depois da coletiva, Julianne foi embora rapidamente após mais uma saraivada de flashes. Fernando e Alice ficaram mais um pouco para um bate-papo de saideira com os jornalistas. Consegui conversar com ambos. Foi tudo muito rápido, mas valeu.

Já nesta terça, foi dia de ver “Linha de Passe”, novo de Walter Salles e Daniella Thomas, que concorreu à Palma de Ouro este ano. Belo filme, que tem inegavelmente a marca autoral de Salles. Quero assistir novamente, mas logo de cara concordo com aqueles que disseram se tratar do melhor momento do cineasta desde “Central do Brasil”. Os atores estão fantásticos (sim, eles foram preparados pela Fátima Toledo), e as histórias de cada personagem se amarram umas nas outras sem forçar a barra. O título é bem sugestivo nesse sentido. O bom também é que não existe uma preocupação de fechar a narrativa, de enlatá-la. As pontas deixadas soltas funcionam e são necessárias. Gostei muito e não tenho dúvidas de que é o filme a ser batido na escolha do representante brasileiro no próximo Oscar.

Após a exibição, houve uma coletiva com a Daniella e a Sandra Coverloni na própria sala do cinema. O papo foi bacana, mas tive a impressão de que ambas estavam cansadas (Daniella principalmente, uma vez que foi do aeroporto direto para lá, com mala e tudo). Mesmo assim, elas ficaram conosco por cerca de uma hora e foram atenciosas. Mais tarde, no hotel, eu pude conversar individualmente com a Sandra. Esbanjando carisma e disposição, falou comigo por quase 40 minutos! Tentei levar a conversa para um lado que não fosse o das respostas que ela deve estar dando a jornalistas desde maio, quando foi premiada como melhor atriz em Cannes. Não sei se consegui 100%, mas pelo menos ela se mostrou bastante interessada no bate-papo. Também filmei tudo e disponibilizarei em breve.

E foi isso… Por pelo menos dois dias, me senti quase como se estivesse em Cannes. Ou talvez em Toronto, já que os dois filmes vão estar por lá também na próxima semana.