Resumão Cannes 2009


“A Fita Branca”, de Michael Haneke

Finda a 62ª edição de Cannes, é hora de fazer um balanço dos filmes que foram destaque entre os críticos e que, possivelmente, veremos no Brasil entre setembro e outubro, no Festival do Rio, na Mostra INDIE e na Mostra de São Paulo. Ao contrário daqueles que sempre dizem que “esta é pior seleção de Cannes dos últimos anos”, temos um cardápio no mínimo promissor pela frente.

O que segue abaixo é uma compilação dos links que alimentaram a nossa Parabólica durante o festival. Aqueles filmes que já tem previsão de estreia no Brasil possuem essa indicação:



A Fita Branca” (competição, Palma de Ouro) – Que Haneke entregaria um filme poderoso, já era esperado. Mas parece que estamos diante de sua obra-prima. “Quando está no auge da forma, o talento artístico de Michael Haneke e o infalível controle sobre seu material são difíceis de bater.” “É uma horrorizante descrição da mortalidade.” “Um surpreendente e comovente estudo forense sobre o colapso social.” Caramba! A Imovision ainda não tem a previsão de estreia no Brasil, mas podemos esperar para o segundo semestre. O filme também ganhou o prêmio da FIPRESCI.

Les Herbes Folles” (competição, Prêmio Especial do Júri) – O novo Resnais foi considerado o melhor filme da competição logo quando foi exibido. Disseram: “O filme é um sopro de vida não apenas no festival, mas no próprio cinema.” “É mais exuberante do que ‘Medos Privados em Lugares Públicos.” “Soa como um resumo das melhores coisas da obra de Resnais.” Depois de tanto carinho, só nos resta esperar pelo filme. Ainda sem previsão, mas já comprado pela Imovision (que tem o título provisório em português: “As Ervas Daninhas”).

Anticristo” (competição, Melhor Atriz) – Para o bem e para o mal, foi considerado o filme-escândalo do festival. De “obra-prima” a “desastre”, a crítica se divide. Mas de qualquer forma parece mesmo imperdível. Previsão de estreia: agosto (Califórnia Filmes, que promete trazer a “versão original do diretor” – presumimos que seja a mesma de Cannes, mas nunca se sabe).

Un Prophète” (competição, Grande Prêmio do Júri) – O filme de Jacques Audiard, apesar de “convencional”, chamou a atenção e teve a ovação mais longa do festival (cerca de 10 minutos). Disseram: “Equilibra com sucesso o estilo de um filme de arte com um enredo de filme de gângster.”

Kinatay” (competição, Melhor Direção) – Se “Anticristo” causou sensações extremas, também o fez o filme de Brillante Mendoza. Foi considerado por Roger Ebert o novo pior filme da história do festival, mas ganhou muitos defensores, “graças ao prazer que nega ao espectador”.

Enter the Void” (competição) – Novo longa de Gaspar Noé pode não ter impressionado o júri, mas causou celeuma na Croisette, sendo considerado “o único filme de vanguarda na competição”. Muito disso se deve à fotografia e ao trabalho de câmera. E se você se lembra da homenagem a Kubrick numa das última cenas de “Irreversível”, certamente vai encontrar mais delas aqui. “Quase desafiando a definição de termos cinematográficos contemporâneos, o filme é um selvagem, alucinatório ‘mindfuck’ para adultos, que mostra seu diretor explorando novas técnicas de filmagem e ambiciosos efeitos especiais para capturar a viagem de um jovem após a morte.”

Tetro” (Quinzena dos Realizadores) – Disseram que o filme vislumbra a era de ouro de Coppola e é bem melhor do que “Youth Without Youth”. É tudo que precisamos saber.

Bastardos Inglórios” (competição, Melhor Ator) – Não houve consenso quanto ao novo Tarantino, mas parece notório que o cineasta não fez um filme tão consistente quanto os anteriores. Curiosamente, vários críticos usaram de ambiguidade: “Consegue ser indolente e superexcitado ao mesmo tempo,” ou “É o filme mais tedioso de Cannes este ano, e também o mais fascinante, o mais impessoal ao mesmo tempo que é pessoal.” Também chamou a atenção o uso de referências ao cinema europeu por parte de Tarantino. Previsão de estreia: 23 de outubro (Universal).

À Procura de Eric” (competição) – Apesar de ter saído sem prêmios, a surpresa do festival foi o tom leve do novo Ken Loach. O cineasta britânico teve uma calorosa recepção e chamaram o filme até de “crowd-pleaser” – convenhamos, termo que não se espera de um diretor de obra sisuda. O ex-jogador de futebol Eric Cantona está no elenco e foi quem deu a ideia do enredo. Considere-nos oficialmente curiosos. Previsão de estreia: dezembro (Califórnia Filmes).

The Time That Remains” (competição) – Outro que saiu sem nada, mas que ganhou muitos elogios da crítica é este trabalho de Elia Suleiman, uma comédia israelense de humor amargo. A Imovision vai lançar o filme no Brasil, mas ainda não tem data.

Fish Tank” (competição, Prêmio do Júri) – Dirigido pela britânica Andrea Arnold (do ótimo “Marcas da Vida”), é comparado a “Aos Treze” e elogiado pela fotografia, atuações e olhar consciente sobre questão social. Porém, parece pecar pela originalidade.

Thirst” (competição, Prêmio do Júri) – Park Chan-wook não foi unanimidade (nunca é). Mas parece ter agradado mais do que o normal. Kleber Mendonça Filho escreveu: “Dono de um humor terrível, e lançando mão de todos os efeitos especiais que a sua imaginação põe para excelente uso, cria um senso constante de demência que desconcerta a platéia durante toda a projeção.” O filme ainda não previsão de estreia por aqui, mas já foi comprado pela Paris Filmes.

Bright Star” (competição) – Jane Campion parece ter feito finalmente um filme à altura de “O Piano”, no sentido de chances em premiações. Apesar de não ter ganhado nada em Cannes (deve se sair melhor no BAFTA), surgiu como um dos primeiros favoritos à Palma de Ouro. Disseram: “Felizmente, o filme é livre da histeria geralmente associada a filmes sobre escritores e evita as tendências distrativas que infestam filmes de época britânicos.”

Dogtooth” (Un Certain Regard, Melhor Filme) – O segundo filme do grego Yorgos Lanthimos chamou a atenção pelas vias do choque. “Se você viu a cena do jantar de família de ‘O Massacre da Serra Elétrica’ e se perguntou: ‘Como eles chegaram a esse ponto?’, ‘Dogtooth’ oferece algumas respostas.”

Police, Adjective” (Un Certain Regard) – Novo filme de Corneliu Porumboiu (“À Leste de Bucareste”) chamou a atenção na mostra paralela e levou prêmio. Já foi comprado pela Imovision para distribuição no Brasil, mas ainda não tem previsão de lançamento.

Mother” (Un Certain Regard) – Comentaram que o novo filme de Bong Joon-ho deveria estar na competição. Disseram que é “um melodrama lírico”, que tem algo de Pedro Almodóvar. “Bong Joon-ho está fazendo os filmes que Hollywood deveria estar fazendo – formalmente precisos e inventivos, sutilmente engajados, mas sem nunca subverter gêneros populares.”

Tales from the Golden Age” (Un Certain Regard) – Parece que enfim fizeram uma antologia consistente em todos seus episódios. O filme é escrito por Cristian Mungiu (“4 Meses, 3 Semanas, 2 Dias”) e dirigido por cinco cineastas romenos. Remonta episódios da época em que Nicolai Ceausescu governava o país. ATUALIZAÇÃO: A Imovision anunciou a compra do filme, mas ainda não tem previsão de estreia.

I Killed My Mother” (Quinzena dos Realizadores, Melhor Filme) – O filme do canadense Xavier Dolan dividiu opiniões, mas parece ter se saído tão bem no festival porque “reflete uma verdade sobre relações humanas que qualquer espectador pode reconhecer.”

Like You Know It All” (Quinzena dos Realizadores) – Novo Hong Sang-soo foi bem recebido, apesar de parecer ser um trabalho mais “fácil” do cineasta sul-coreano.

Ajami” (Quinzena dos Realizadores) – O filme que encerrou a Quinzena foi visto como “poderoso”, “incrivelmente autêntico” e “filmado com precisão.”

Collin” (fora de competição) – Um achado no mercado do festival, é um filme britânico de horror feito por meras 45 libras estelinas. É sobre um homem que tenta entender porque ele se transformou em um morto-vivo.

Father of My Children” (Un Certain Regard) – Segundo filme de Mia Hansen-Love arrancou elogios. Ao que parece, é de arrancar lágrimas.

Tsar” (Un Certain Regard) – Eisenstein, Tarkovsky e Sokurov são citados enquanto três críticos comentam o trabalho do cineasta russo Pavel Lungin.

Eyes Wide Open” (Un Certain Regard) – Um romance homossexual entre um açougueiro judeu e seu ajudante, com uma direção “impressivamente estudada” e uma “qualidade empírica, até mesmo antropológica”. Uau.

Hierro” (Semana da Crítica) – Da Espanha, vem mais um filme de suspense da safra Guillermo del Toro. “Embora não seja isento de problemas, é absolutamente deslumbrante de se assistir do começo ao fim.”

Up – Altas Aventuras” (fora de competição) – Alguns críticos chegaram a considerar o filme da Pixar o melhor do ano até agora. Será mesmo para tanto ou o pessoal ainda está seguindo no vácuo de “WALL•E”? Previsão de estreia: 04/09 (Disney)

A Town Called Panic” (fora de competição) – “Up” não foi a única animação a ganhar elogios no festival. “Imagine a franquia ‘Toy Story’ acrescida da sensibilidade perversa de ‘South Park’ e feita com uma meticulosa técnica de stop-motion.”

The Imaginarium of Doctor Parnassus” (fora de competição) – O filme encantou pelo visual, mas como tem ocorrido com os últimos trabalhos de Terry Gilliam parece não convencer pela história. Pode ser que agrade somente os fãs do cineasta.

Visage” (competição) – O novo Tsai Ming-Liang também parece agradar somente os fãs “hardcore” do cineasta.

E agora, as decepções:

Los Abrazos Rotos” (competição) – Parece consenso entre os críticos que o novo Almodóvar é uma repetição de estilo do cineasta. “O diretor parece estar confinado nele mesmo.” Previsão de estreia: 20 de novembro (Universal).

Vengeance” (competição) – Johnnie To entregou o visual caprichado de sempre, mas os críticos não parecem ter sido cativados pela história. Talvez seja um sinal de problema quando os mesmos adjetivos começam a se repetir em textos diferentes.

Taking Woodstock” (competição) – O novo Ang Lee “parece um esquete de duas horas do ‘Saturday Night Live’, e nem é dos melhores.” Não pára aí: “Agradável em algumas partes, mas meramente insípido em outras. Parece uma digressão menor de Ang Lee entre trabalhos mais memoráveis.” Ouch. No entanto, Luiz Carlos Merten seguiu aqueles que aderiram à proposta mais leve do cineasta (previsão de estreia: 18/09 (Universal).

Agora” (competição) – Novo trabalho de Alejandro Amenabar não empolgou, apesar de elogiado por seu visual, típico de um épico de Cecil B. Demille. Mas teve gente que gostou.

Maps of the Sounds of Tokyo” (competição) – Talvez o filme de pior recepção entre os concorrentes à Palma de Ouro, o novo filme de Isabel Coixet foi considerado por muitos “bonito de se olhar”, mas inócuo. “É brilhante e vazio como uma bolsa de mão Prada em uma prateleira de botique.”

Don’t Look Back” (fora de competição) – Mesmo com Monica Bellucci e Sophie Marceau, parece ser um David Lynch que não deu certo. Uma pena, visto que o filme anterior da diretora Marina de Van, “In My Skin”, é muito bom.

BRASIL EM CANNES

À Deriva“, como você provavelmente já sabe, recebeu ovação de quase 5 minutos em sua sessão de gala na Un Certain Regard. Foi bem recebido de uma forma geral, mas recebeu algumas críticas negativas – a mais severa comparando o filme de Heitor Dhalia a um episódio estendido da série “The O.C.”. Aqui está uma compilação de opiniões.

Já “No Meu Lugar“, de Eduardo Valente, exibido fora de competição, não teve a mesma sorte. Não sei se foi pouco comentado ou causou pouco frisson mesmo, mas as duas principais publicações internacionais de entretenimento cobrindo Cannes viram a produção brasileira com reservas. A Variety disse que depois de passar muito tempo construindo as personagens, Valente permite que tudo entre em colapso ao seu redor com um final totalmente fora de sincronia com o que veio antes.” Já o Hollywood Reporter afirmou que, apesar de este ser uma falha, vale a pena ficar de olho nos futuros filmes que Valente vier a fazer. Tentei achar se a Cahiers du Cinéma assistiu ao filme, mas não localizei o texto. A propósito: o título em inglês é “Eye ot the Storm” (algo como “O Centro do Furacão”). Alguém sabe o motivo?

COBERTURAS

Para encerrar, deixo algumas dicas para quem quiser ir mais fundo na cobertura de Cannes 2009. Como você já deve ter percebido, o blog The Daily, mantido pelo site da distribuidora independente IFC, é nossa referência principal todos os anos por reunir numa mesma página opiniões de diversos críticos. É bem organizado e abrangente, graças ao exemplar trabalho do ex-Greencine David Hudson. Clique aqui para acessar o índice da “cobertura da cobertura” feita por ele, ordenado por filmes e mostras.

Entre os brasileiros, Kleber Mendonça Filho novamente fez o melhor trabalho, tanto pelas opiniões consistentes quanto pela abragência da cobertura, contando o que rolou de principal nas coletivas e ainda postando fotos e vídeos. Enquanto o CinemaScópio não volta em sua forma definitiva, vale a pena acompanhar o blog criado pelo Kleber especialmente para Cannes. Clique aqui.

Para mais opiniões em português, vale conferir ainda as coberturas da Filmes Polvo e da Cinética (esta feita pelo mesmo Eduardo Valente que estava apresentando filme).