As coisas mudaram

Caros leitores,

Eu não poderia começar este texto de outra forma a não ser com um pedido de desculpas e um agradecimento. As desculpas são, claro, pela ausência por mais de 40 dias. E o meu “muito obrigado” se deve à compreensão em relação à minha falta.

Como eu já havia comunicado no Twitter, nos comentários e na Parabólica, nesse período estive envolvido com meu casamento e com mudança de apartamento, portanto, não tive como me dedicar ao cinematório. Aproveitei e também tirei uns dias apenas para descansar. Afinal, ninguém é de ferro.



Mas agora estou de volta. E o segundo motivo deste post é anunciar mudanças. Oh! Posso ouvir os gritos desesperados e a música de suspense retumbando pela sala! Então, vamos por partes, certo?

Já faz um tempo que tenho me sentido insatisfeito com os rumos que o cinematório tem tomado. Criei o blog em 2003, como válvula de escape, para que eu pudesse escrever com mais liberdade sobre cinema, sem a obrigação jornalística da faculdade ou do trabalho. De lá para cá, passei a me dedicar mais ao exercício da crítica de cinema, amadureci meu texto, chamei amigos para participar do blog ao meu lado, incrementamos várias coisas, criamos outras, ao ponto em que eu passei a considerar seriamente a transformação do blog em site, já que o número de acessos acompanhou (ou talvez tenha até superado) a evolução do cinematório ao longo desses sete anos.

Mas é isso mesmo que devo/quero fazer? Transformar o que inicialmente seria um projeto experimental em trabalho? A resposta veio bem clara para mim nos últimos dois meses, durante os quais refleti bastante sobre a responsabilidade que essa transformação traria – tanto em relação a estabelecer uma nova rotina e uma nova dinâmica de trabalho quanto a ser honesto e transparente com vocês, nossos leitores.

Pois, bem: o cinematório não vai virar um site. O cinematório não vai virar trabalho. Se o passo que eu decidisse dar fosse no sentido oposto, acreditem: isso aqui não iria durar mais seis meses.

Pode parecer que estamos optando pelo comodismo de sermos um blog sem periodicidade fixa. E talvez, em parte, seja isso mesmo o melhor neste momento. Falo por mim – que obviamente tenho novas responsabilidades em minha vida pessoal, além do trabalho diário na Rádio Inconfidência – mas também falo pelo Guilherme, pela Mariana e pelo Vitor, que são pessoas pelas quais tenho muita estima e que, assim como eu, possuem responsabilidades maiores que o cinematório em suas vidas pessoais. Então, vamos ser sinceros e assumir nossas limitações. E, ao fazermos isso, o site ganha, porque poderemos respirar melhor e escrever com mais liberdade.

Liberdade no sentido de não termos que ser um veículo em que uma pauta precisa ser cumprida. Pauta esta que, muitas vezes, nem somos nós que criamos, mas, sim, os distribuidores com seus calendários malucos de lançamentos e os estúdios com seus press-releases que são replicados em todos os cantos da web quase que automaticamente. Isso não quer dizer que vamos parar de escrever sobre filmes em cartaz nos cinemas. Na verdade, o que não queremos mais é a obrigação de cobrir todas as estreias – tarefa que, cada vez mais, sinto que reduz o saudável e necessário exercício da reflexão e relega o crítico ao serviço de pau-mandado de distribuidor (as cabines de imprensa, no fim das contas, servem só para isso, já que o que importa para o distribuidor é o texto publicado no dia da estreia – e, de preferência, até as 11 da manhã!).

Quando digo que “as coisas mudaram”, ouvindo Bob Dylan cantar, é porque deixei de acreditar numa certa forma de encarar o “escrever sobre cinema”. Forma erroneamente pré-concebida de que ser crítico é ser o primeiro a ver e escrever sobre lançamentos, dar nota de 1 a 10, recomendar ou não recomendar tal filme baseado unicamente na minha opinião, usar um vocabulário distinto e rebuscado – bonito, sim, mas quantas vezes pedante… Esse conjunto forma aquela figurinha que é facilmente encontrada no nosso meio: o crítico que gosta de ser visto como autoridade e não percebe que se tornou autoritário, que não admite a própria arrogância quando alguém discorda dele, que passa a olhar de cima para baixo e esquece que, antes de crítico, ele é um espectador. E esquecer como é ser um espectador é terrível.

Eu sinto que estou me transformando nisso. E se ser crítico é isso, não quero mais. Prefiro estudar e me reeducar a ver filmes. E se ser editor é fazer um veículo engessado, rotineiro, metódico, também prefiro jogar a toalha. Como editor do cinematório, minha obrigação é pautar nossa linha editorial e manter o equilíbrio da equipe. E nós estamos de acordo de que não precisamos ter a pretensão de ser uma empresa ou um veículo sério demais, intelectualizado demais, tampouco mais um site de críticas-notícias-calendário. Porque é nisso que o cinematório vinha se transformando. Parece que nos esquecemos de como é bom ser um blog. E de que “escrever sobre cinema” é algo muito, mas muito mais amplo do que aquilo que vinhamos nos propondo a fazer até agora.

Acho que o tom da escrita pode estar assustando o nosso público mais fiel, mas peço calma. As mudanças virão a partir deste editorial, mas não será nada drástico ou repentino. A Parabólica vai continuar. O Telescópio vai continuar. O Sammie vai continuar. Talvez a única mudança mais acentuada e imediata seja o fim das notas e recomendações ao fim das críticas.

Nosso sistema de avaliação surgiu em função da demanda dos leitores, e a atendemos de imediato. Mas sentimos que não está mais funcionando, por duas razões principais: 1) notamos que a maioria dos leitores tem sido motivada a deixar comentários com base na nota, e não no texto; e 2) não gostamos mesmo de dar notas. Então, sinto muito por quem curte cotações, mas elas não existirão mais por aqui. Acreditamos que o texto é suficiente. Penso em aproveitar o sistema de recomendação (“Não se culpe por não ver”, “Veja no cinema e compre o DVD” etc.) de outra forma, mas sem notas e não mais no fim dos textos.

Quanto às demais mudanças, não vou anunciá-las, até porque não há o que enumerar. Digo apenas que, ao nos desamarrarmos, faremos com que o cinematório siga em frente mais livre e menos pretensioso. De ambição, nos basta continuar a assistir a todo tipo de filme, escrever com motivação e, com sorte, fazer assim um cinematório do qual vocês também gostem. E eu realmente espero que gostem.

Um grande abraço,
Renato.