Homem de Ferro 2

2010 é o ano em que o atual filão dos filmes de super-heróis completa uma década em cartaz. Foi no ano 2000 que “X-Men – O Filme” deu início ao retorno dos personagens das revistas em quadrinhos da Marvel e da DC Comics às telas de cinema, além de outras editoras não tão populares que aproveitaram a onda para faturar um também.

 

Nessa década vimos de tudo, ao ponto em que os filmes de super-heróis começaram a se questionar – como em “Batman – O Cavaleiro das Trevas”, “The Spirit” e “Watchmen”, longas onde o papel do super-herói é colocado em cheque. E, diga-se de passagem, isso aconteceu num espaço de tempo bem menor do que na mídia impressa.



 

É neste cenário de “já vimos tudo” que “Homem de Ferro 2” é exibido nos cinemas. E não é de se espantar que o filme possua elementos que remetem a vários outros exemplares dessa lucrativa linhagem. Afinal, esta não é primeira vez que vemos um herói entrar em crise existencial e se embebedar. É claro que o Tony Stark dos quadrinhos tem uma relação bem mais difícil com o alcoolismo, mas quando vemos Robert Downey Jr. perder as estribeiras na tela é imediata a lembrança de cena parecida com Tobey Maguire em “Homem-Aranha 3” ou o inesquecível Christopher Reeve em “Superman III”, lá nos anos 80. E por falar no Homem de Aço, o “resgate” da Guerra Fria, colocando EUA e Rússia como aqui-inimigos, já foi tema do pífio e involuntariamente engraçado “Superman IV – Em Busca da Paz”.

 

Da mesma forma, “Homem de Ferro 2” traz aspectos próprios da mitologia do personagem e do universo Marvel que dão sensação de replay: o “uniforme negro” já nos lembrava (mais uma vez) “Homem-Aranha 3” desde o cartaz; as farras, o ar de playboy, o egocentrismo e o conhecimento técnico e científico de Stark são típicos do homem-morcego Bruce Wayne (seria a máxima das ironias se Stark precisasse pilotar um Iron-móvel em algum momento); e até mesmo piadas internas parecem se repetir, como a participação especial de um certo escudo estrelado que no primeiro “Homem de Ferro” já havia sido usado, porém de maneira bem mais sutil.

 

Diante de tanta reciclagem, a pergunta a ser feita é: não estamos cansados dos filmes de super-heróis? Até quando esse filão irá resistir, já que a própria Marvel parece disposta a levá-lo adiante por pelo menos mais meia década – e os próprios filmes do estúdio agora se encarregam de servir como propaganda de futuros lançamentos (fique até o fim dos créditos de “Homem de Ferro 2” para ver uma cena surpresa que funciona praticamente como um trailer teaser da próxima grande produção da Marvel)?

 

No fim das contas, tudo isso não deixa de ser uma boa estratégia para garantir a fidelidade do público e agradar os fãs das HQs. E eu não vou negar que “Homem de Ferro 2” é superior ao primeiro longa, sendo ainda mais engraçado (que os roteiristas de “Homem-Aranha” estejam assistindo a esses filmes), ainda mais desenvolvido no leque de personagens (embora eu esperasse mais da Viúva Negra de Scarlett Johansson) e ainda mais agressivo nas cenas de ação (corrigindo problema do primeiro filme, onde só existe uma grande cena de ação, no final). Assim como eu, você pode sair do cinema satisfeito com o que viu. Mas não dá também aquela sensação de “já vi (“de já vi”, “déjà vu” – juro que não foi intencional) isso antes”?

 

Jon Favreau é competente para esse tipo de trabalho, mas fez um filme seguro, que não corre riscos, e este talvez seja o problema de “Homem de Ferro 2” e de todos os filmes de super-heróis daqui em diante. Os estúdios vão fazer os diretores jogarem “com o regulamento embaixo do braço”, vão continuar a fazer o feijão com arroz e, agora, com o fermento do 3D para fazer o faturamento inchar. Como existem cineastas bons envolvidos com vários desses filmes, é bem provável que teremos mais diversão pela frente. Mas é a mesmice que pode condenar os super-heróis a ser sempre parte de um subgênero e não alcançar maior relevância artística no cinema.

 

Seja como for, voltando ao “Homem de Ferro 2” isoladamente, é bastante interessante a ideia do desenvolvimento tecnológico passar do domínio corporativo para o individual. Apesar de Tony Stark ser sócio-proprietário de uma grande empresa, não se pode deixar de notar que é ele, como indivíduo, quem constrói o mini reator de energia que garante sua sobrevivência e quem elabora a armadura em um laboratório dentro de casa. O segundo filme ressalta esse tema ao colocar Stark como perseguido do governo americano e de outros países, além, claro, da indústria armamentista (representada pelo personagem de Sam Rockwell), que querem a todo custo replicar sua tecnologia. E enquanto os grandes quebram a cabeça para fazer igual, mas nunca melhor, é novamente um único sujeito (o vilão de Mickey Rourke), trabalhando numa oficina de garagem, quem consegue construir o mini reator e uma armadura para enfrentar Stark de igual para igual. Ainda que seja um tema de segundo plano, é atualíssimo e um diferencial a favor do filme de Favreau.

 

Homem de Ferro 2 (Iron Man 2, 2010, EUA)
direção: Jon Favreau; roteiro: Justin Theroux; fotografia: Matthew Libatique; montagem: Dan Lebental, Richard Pearson; música: John Debney; produção: Kevin Feige; com: Robert Downey Jr., Don Cheadle, Scarlett Johansson, Gwyneth Paltrow, Sam Rockwell, Mickey Rourke, Samuel L. Jackson, Clark Gregg, John Slattery, Jon Favreau, Paul Bettany (voz), Kate Mara, Leslie Bibb, Garry Shandling; estúdio: Marvel Studios; distribuição: Paramount Pictures. 124 min