Bonitinho, mas…

Antes de qualquer coisa, assistamos a um curta de Scrat, o esquilo obcecado pela noz de “A Era do Gelo”.

Este vídeo, “Gone Nutty”, assim como a trilogia “A Era do Gelo”, é dirigido por Carlos Saldanha, o bem-sucedido animador brasileiro, diretor de “Rio”, ainda nos cinemas.



São inegáveis as qualidades de “Gone Nutty”. É um vídeo divertidíssimo. As expressões faciais de Scrat parecem ter sido estudadas à exaustão, assim como seu design e seus movimentos. Scrat é aquele personagem azarado, para quem dá tudo errado. Suas manifestações físicas enquanto personagem formam um casamento perfeito com suas características internas. Enfim, é um achado.

Mas não existe uma história em “Gone Nutty” e em todos os outros vídeos de Scrat que você, provavelmente, já se cansou de ver. Trata-se apenas da mesma piada, repetida constantemente. Como o esquilo participa de curtas pequenos e vez ou outra aparece em trechos de “A Era do Gelo”, o negócio funciona. O difícil seria sustentar um filme de 90 minutos com Scrat como protagonista.

Daí chegamos à “Rio” e ao que parece ser uma característica da obra de Saldanha na animação hollywoodiana. Existe um cuidado impressionante com cenários e personagens. Não vou nem falar sobre como o Rio de Janeiro foi concebido para a animação. Não dá para colocar em palavras. É lindo. E os personagens, todos eles, esbajam carisma. De Blu, a ararinha-azul protagonista, a Tulio, o ornitólogo brasileiro, todos são divertidos. E, assim como Scrat, o sucesso da concepção dos personagens de Saldanha vem de um cuidado profundo em vários aspectos. Design, conceito, expressões faciais, dubladores, personalidade e movimento do corpo.

O grande porém aqui é a história. Não que “Rio” não tenha uma história para contar. Como disse antes, são 90 minutos de filme, ter algo para dizer é obrigatório. Mas o esforço para o trabalho narrativo não chega aos pés do esforço para a concepção visual. Temos a velha história do “casal-que-se-odeia-mas-é-obrigado-a-ficar-junto”. É fácil imaginar o final, mas o problema não é a previsibilidade da coisa. A questão é a falta de personalidade na história. O previsível é tratado de uma forma padrão.

Há em livros americanos sobre roteiro um esqueminha da narrativa, extremamente técnico. É mais ou menos assim: um filme de uma hora e meia deve ter em torno de X minutos de apresentação. Daí ocorre algum incidente que muda a direção da história e a leva para a fase na qual o personagem passa por diversos obstáculos e conflitos. Fica nessa por Z minutos até um novo ponto de virada conduzir a história para a resolução.

É um esquema que dá certo, quando utilizado com personalidade. O cinema está cheio de bons filmes esquemáticos. “Avatar” é um deles. A narrativa de “Avatar” já foi vista e revista milhares de vezes e a forma escolhida por James Cameron está longe de ser a mais charmosa das versões. Mas o visual do longa é tão estonteante, o mundo criado por Cameron é tão incrível e essencial para a história, que a eleva de uma forma substancial.

Já “Rio” tenta compensar o esquema com personagens charmosos. Ajuda demais. Não fosse o talento de Saldanha e da equipe da Blue Sky na construção de personagens, teríamos uma animação que não valeria a pena. Blu e sua turma elevam a história. Mas nós já vimos personagens carísmáticos uma porção de vezes e as piadinhas de “Rio” não são exatamente necessárias para a história. Estão lá, cumprem o papel de fazer graça, mas não são essenciais e não agregam à construção da narrativa.

“Rio” é, portanto, divertidinho. E “Avatar” é um filmaço. Essa é a diferença.