Cinema viking

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“Alvo Duplo” talvez seja o filme mais digno de ostentar a marca “Stallone” desde seu descenso pós-anos 90. É um filme mais policial do que de ação, mais “Cobra” do que “Rambo”. O tom é mais pé no chão, mais sério do que o de “Os Mercenários”, embora não dispense o bom humor, presente especialmente nas falas de Sylvester Stallone.

“Os Mercenários” é aquele filme mais reverencial (e autorreferencial também), enquanto “Alvo Duplo” se propõe a ser um filme que poderia perfeitamente pertencer àquela época celebrada pela reunião de Stallone, Dolph Lundgren, Chuck Norris, Jean-Claude Van Damme, Bruce Willis e Arnold Schwarzenegger. E é um filme que só foi feito hoje porque “Os Mercenários” existe. No entanto, não teve a mesma repercussão com o público (tal como ocorreu com o ótimo “O Último Desafio”, de Kim Jee-Woon, com Schwarzenegger), o que mostra que provavelmente “Os Mercenários” fez sucesso por causa do gimmick de reunir todos os astros, de ser um revival.



Stallone interpreta Jimmy Bobo, um assassino de aluguel, e o seu personagem vê o jogo de fora, é auto-consciente. Não chega ser algo metalinguístico como “O Último Grande Herói”, de John McTiernan, também com Schwarzenegger, mas Walter Hill, que não é bobo nada e tem toda uma expertize no gênero, dirige Stallone de forma a  mostrá-lo como alguém que sabe o que ele representa e o que ele está fazendo ali. Ele é o veterano em sentido pleno, inclusive narra o filme e dita as regras, mostra que conhece aquele mundo.

“Pare de me matar de tédio e vamos brigar”, Stallone diz em determinado momento para o seu rival de braço, interpretado por Jason Momoa (o vilão principal é o personagem de Christian Slater, que, como dita a regra, recorre ao plano de sequestrar a filha de Jimmy, vivida por Sarah Shahi). Os outros personagens não têm essa auto-consciência. Tanto Momoa (que lembra um bocado Martin Kove, o John Kreese de “Karatê Kid”, que também atuou com Stallone em “Rambo II”) quanto o detetive vivido por Sung Kang (da franquia “Velozes e Furiosos”) não têm a experiência de Stallone, nem como atores, nem como personagens.

A direção firme, sintética, precisa de Hill, que recorre a algumas firulas visuais, mas na maioria das vezes vai direto ao ponto e corta muito bem, faz toda a diferença na criação dessa ambiência que nada tem de nostálgica. Aqui estamos vendo não a figura de Stallone, o ícone, a lembrança do que ele foi (que é o objetivo de “Os Mercenários”),  mas ele próprio, atuando e brigando como nos filmes dos anos 80/90, com a vantagem da experiência adquirida. E vê-lo num filme dirigido por Hill, hoje, é uma experiência inusitada e estranha. É como se tivéssemos acesso a um futuro imaginado. Ou como se eles estivessem dando continuidade a uma parte da história do cinema que havia sido dada como encerrada. É fato que eles quebram algumas regras aqui. Podia muito ter dado errado, mas, felizmente, entre mortos e feridos, os dois se salvaram. ■