Missão de resgate

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“O Homem de Aço” começa com um parto: nada mais significativo para representar a nova vida que está sendo injetada na série de filmes do principal super-herói da DC Comics e que para muitos, desde a infância, é o personagem favorito dos quadrinhos.

E o filme é realmente um novo começo. A comparação com o “Superman” de 1978, dirigido por Richard Donner e estrelado por Christopher Reeve, é imediata, mas é saudável evitá-la. O diretor de “O Homem de Aço”, Zack Snyder, também responsável pelas adaptações das HQs “300” e “Watchmen”, foi mais bem-sucedido que Bryan Singer, diretor de “Superman – O Retorno”, de 2006, em vários aspectos, mas um era fundamental: ele se afastou do clássico.



Snyder aceita que não tem como competir com o filme de Donner, que possui uma mitologia muito bem fixada na memória afetiva do público. Ele faz referências, que nem chegam a ser homenagens (são recriações de cenas que estão nos dois primeiros filme: a condenação de Zod e seus asseclas para a Zona Fantasma, Faora intimidando o militar, a briga no bar, entre outras), e assume que está fazendo um outro filme, com uma outra proposta – mais realista inclusive, com câmera tremida, seguindo a tendência da geração YouTube.

Porém, uma coisa que Snyder não sabe é ser sutil, e ele treme muito a câmera nessa intenção de ser urgente. Dá zooms inexplicáveis nas cenas de ação, abusa dos flares. É uma direção cheia de cacoetes. Você entende a intenção, mas também percebe o quanto a execução é falha.

As cenas de luta em especial causam um estranhamento, porque você acompanha as brigas como se estivesse segurando nos ombros do Superman enquanto ele voa. É claramente uma inspiração nas chamadas cut scenes dos ultracombos de videogames recentes, como “Street Fighter IV”, “Batman Arkham Asylum”, “Mortal Kombat”, “Injustice: Gods Among Us” (este da própria DC Comics). E são cenas que sofrem um bocado pela proximidade com que são filmadas. Não é necessário mostrar as lutas da forma como seria se você participasse delas. Essa é uma obsessão irritante dos estúdios em transformar filmes em atrações de parque de diversão, tudo graças ao 3D. A contemplação nesses casos parece cada vez mais esquecida.

A forma como Snyder retrata o Superman também é diferente do filme de Donner: aqui ele é mais um extraterrestre do que um deus, embora tenha essa qualidade também (a cena da igreja é genial). E “O Homem de Aço” é, na essência, um filme de invasão alienígena. É mais ficção científica, enquanto Donner focou mais na aventura.

Donner trabalhou muito com a verossimilhança (a tagline era “você vai acreditar que um homem pode voar” – perceba, ” um homem”) e com a expectativa de fazer o primeiro grande filme do Superman. Já Snyder trabalha com outra expectativa, que é justamente a de recriar e recuperar o personagem no cinema. E ele vai clara e abertamente para o lado da fantasia, e faz isso muito bem, sem medo. É como se estivesse unindo a proposta do “Lanterna Verde” de Martin Campbell com a do “Batman Begins” de Christopher Nolan.

É muito bom que Snyder tenha apostado mais nesse lado fantasioso, apesar da filmagem evocar o realismo a todo momento. Ou seja: o realismo é usado para destacar o fantástico. Não se trata de fazer o falso ser crível, mas de fazer o incrível voltar a ser algo inacreditável. É um pleonasmo lamentável, se analisarmos, mas é algo que parece ter se tornado necessário, e que J.J. Abrams e Matt Reeves talvez tenham sido os primeiros a perceber com seu “Cloverfield”.

Snyder retrata o Superman como uma força da natureza. Ele é o único a nascer de gestação natural em muito tempo. Ele aparece várias vezes acompanhado de animais e inserido em cenários naturais. Ele interage com a natureza – com o fogo, com a vegetação, com a água – como se estivesse realmente integrado a esse mundo, fazendo parte dele.

Nessa (re)criação também se destaca a “Kryptonita emocional”: o ponto fraco deste Superman é justamente ter que controlar a emoção a ponto de colocá-la como julgamento moral. A cena do confronto final com Zod (vivido pelo sempre eloquente Michael Shannon) é genial, pois mostra o quanto ele está em conflito com a decisão que precisa tomar para salvar as pessoas tendo diante de si o único sobrevivente de sua espécie.

“O Homem de Aço” tem ainda neste lado emocional uma sinceridade louvável, que é construída na relação do Clark Kent de Henry Cavill com o pai adotivo Jonathan Kent, interpretado por Kevin Costner. Enquanto no filme original essa relação paterna é mais forte com o espectro de Jor-El (o pai biológico que morreu na explosão de Krypton, eternizado na atuação de Marlon Brando), nesta nova versão é o pai terrestre quem lhe passa todos os ensinamentos de como ser um homem bom. O sentido dessa relação sintetiza tudo o que representa ser uma criança e brincar de ser o Superman e, de certa forma,  crescer a partir desse ideal e se tornar um orgulho para os seus pais. E Cavill convence no papel do herói, muito mais que Brandon Routh no filme de 2006, pois, assim como Reeve, ele consegue passar emoção ao público, não é apenas um galã.

Outras mudanças, como a Lois Lane loira de Amy Adams e a ausência do arqui-inimigo Lex Luthor, podem chatear os fãs mais exigentes, mas não há o que temer. A grande vantagem deste novo Superman é realmente criar, e não apenas copiar o que já foi escrito, desenhado e filmado décadas atrás. ■

O HOMEM DE AÇO (Man of Steel, 2013, EUA/Canadá/Reino Unido). Direção: Zack Snyder; Roteiro: David S. Goyer; Produção: Christopher Nolan, Charles Roven, Deborah Snyder, Emma Thomas; Fotografia: Amir Mokri; Montagem: David Brenner; Música: Hans Zimmer; Com: Henry Cavill, Amy Adams, Michael Shannon, Diane Lane, Russell Crowe, Antje Traue, Harry Lennix, Kevin Costner, Laurence Fishburne, Michael Kelly; Estúdios: Warner Bros., Legendary Pictures, Syncopy; Distribuição: Warner Bros. 143 min