"Apenas o que Você precisa saber sobre Mim", de Maria Augusta V. Nunes
"Apenas o que Você precisa saber sobre Mim", de Maria Augusta V. Nunes

Festival Guarnicê: “Você é Diferente”, “Um Toque de Aurora”, “Eu Sou o Super-Homem” e mais

por Pedro Tobias

A seguir, você lê resenhas de curtas vistos nos três primeiros dias do 41º Festival Guarnicê de Cinema, realizado em São Luís, no Maranhão.

“Você é Diferente” | Direção: George Pedrosa



É curioso como entre O Despertar dos Mortos (1978) e O Albergue (2006) o termo gore se transformou, se tornando menos motor e mais lataria. Há toda uma leva de filmes hoje chamados de “torture porn” cuja violência gráfica se justifica em si mesma, o que não necessariamente os torna vazios de sentido.

Neste espectro se encontra “Você é Diferente”, trabalho de estreia de George Pedrosa na direção. O curta acompanha um casal em seu primeiro encontro, mas não um encontro normal, afinal tanto Geovane quanto Sergio têm apetites sexuais semelhantes.

“Que punição poderia ser pior do que o pensamento de sofrer sem a esperança de se libertar?”, diz um trecho do livro “Hellraiser”, de Clive Barker. Pedrosa propõe ao espectador na cena inicial, um filme de encontro que é subvertido não na lógica da violência pura, mas pela mudança de tom a partir da comunhão entre aqueles corpos. Uma comunhão que perpassa o sexo, mas não se prende a ele. Uma comunhão que de certa forma liberta ambos Geovane e Sergio.

Prazer, dor, sadismo, bondage, dominação, submissão, ACEITAÇÃO. Menos importante que a entrega sexual é o elo de sangue que une o casal representado pelo olhar resoluto de Sergio a Geovane (e vice-versa) na cena final.

“Um Toque de Aurora” | Direção: Aditya J. Patwardhan

“Quem de nós é realmente cego?!”

Não são poucas as obras que se ocupam de retratar a cegueira e suas implicações. De certa forma, há uma relação entre “Um toque de Aurora” e “Blind” (2014), do diretor e roteirista norueguês Eskil Vogt, mesmo que os dois filmes jamais se encontrem. Há entre eles uma distância não apenas temporal, mas de abordagem, embora haja uma interseção no retrato da condição de perda da habilidade de enxergar.

“Blind” usa a linguagem para brincar com os sentidos do espectador, aproximando-o da psique de sua protagonista através do onírico, brincando com elementos que não necessariamente estão em cena. O filme dirigido por Aditya J. Patwardhan a partir do roteiro de Al Danuzio cativa por expor esse mesmo espectador ao drama de Luís (Danuzio) de uma forma completamente diferente – e delicada.

A superexposição do branco e os planos com baixa profundidade de campo dão o tom do curta, mas paradoxalmente o que fascina dentro de sua construção narrativa é o “olhar”. Sentir as angustias de Luís, o toque de sua mão pela mobília da casa, o calor da lâmpada do banheiro que ele não sabe se está acesa… Em pouco menos de 15’ Luís parece passar por todas as fases do luto: negação, raiva, barganha, depressão e por fim aceitação.

“Apenas o que Você precisa saber sobre Mim” | Direção: Maria Augusta V. Nunes

O curta acompanha o desdobramento do encontro casual entre Laura (Alice Doro) e Fabio (Aleff Resler) em uma pista de skate. Em pouco tempo, a amizade, e dela, algo mais.

A estreante na direção Maria Augusta V. Nunes demonstra um olhar apurado no sentido de atender aos anseios daquela juventude ali retratada, o que ocorre apesar da trama previsível. Com alguns minutos já é possível perceber os rumos da narrativa, embora haja um certo esforço do roteiro em sugerir uma espécie de plot twist. Por outro lado, o “reencontro” surge como uma força arrebatadora.

O olhar resignado, o olhar que julga… Mesmo já esperado e até óbvio, há uma ressignificação de tudo que antecede a troca de olhares entre os protagonistas e uma certa tristeza diante de um quadro que pra Laura é (e infelizmente pode nunca deixar de ser) comum.

“Eu sou o Super-Homem” | Direção: Rodrigo Batista

“Você não pode ser o super-homem porque você é negro”

A representatividade ou a falta dela, é um dos temas centrais deste curta de Rodrigo Batista. Lucas é convidado a uma festa à fantasia e decide ir como super-homem. Chegando lá ele é confrontado pelo anfitrião, Eric, que teve a mesma ideia.

De acordo com o dicionário, racismo é a “teoria que defende a superioridade de um grupo sobre outros, baseada num conceito de raça”. Infelizmente a manifestação do racismo poucas vezes se dá de forma “tradicional”. Pelo contrário, há uma certa institucionalização até linguística de termos e práticas racistas.

O pôster na parede de Lucas, de “Superman III”, mostra o Homem de Aço (Christopher Reeve) segurando o personagem interpretado pelo ator Richard Pryor no colo. Nada poderia ser mais claro que isso. O filme dirigido por Richard Lester não é necessariamente racista, mas a forma como aquele personagem negro é representado certamente perpetua certos estereótipos.

É a partir desta problemática extremamente difícil de ser abordada é que a narrativa de “Eu sou o Super-Homem” se constrói. Longe de querer soar panfletário, o filme levanta questões de suma importância para o debate racial.

“Manoel Bernardino: O Lenin da Matta” | Direção: Rose Panet

É sempre louvável quando um(a) documentarista se propõe a apresentar seu objeto de estudo sob uma ótica criativa e não-esquemática. Rose Panet faz isso ao não apenas expor o dispositivo, o que acontece ainda na primeira cena, como mesclar à narrativa construída através de depoimentos, cenas do próprio processo de produção do documentário, incluindo filmagens de celular.

Manoel Bernardino foi um líder camponês, espírita, socialista e vegetariano, durante a primeira metade do Século XX. Após migrar para o Maranhão para fugir da seca e da fome do Ceará, sua terra natal, ele se vê diante de um quadro de injustiças sofridas pelos trabalhadores rurais do município de Dom Pedro (MA). A partir do seu contato com a doutrina espirita e o auge das ideias socialistas ele se torna um líder político e espiritual.

A partir de uma estrutura capitular: i) suor, ii) sangue, iii) lágrimas, o filme se preocupa em trabalhar a construção da figura do Lenin da Matta e sua importância histórica. Talvez aqui resida o grande defeito do documentário. É impossível não associar os capítulos ao famoso discurso “Sangue, Trabalho, Lágrimas e Suor” proferido por Winston Churchill, embora a intenção do roteiro seja a associação aos fluidos corporais. ■

Filmes vistos durante o 41º Festival Guarnicê de Cinema.