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Falsa Loura

por RENATO SILVEIRA

Carlos Reichenbach tem um estilo inconfundível de fazer cinema, e é muito bom constatar que em “Falsa Loura” ele continua fiel a um tipo de filme que, como a sua protagonista, veste uma roupa barata, mas se equilibra muito bem em cima do salto. É um jeito de filmar que se aproxima da chanchada, tem algo de amadorismo nas atuações que incomoda, não se preocupa muito em ser elegante, mas que é muito mais profundo e sincero no que quer dizer do que muitas produções luxuosas. Tudo isso faz parte do cinema desse diretor, que preza pela simplicidade na forma como lida com a câmera, usando uma cartilha bastante básica. Um simples fade, para citar um exemplo, resolve a construção de uma das cenas finais, quando a personagem principal parece estar sonhando, como se aquilo que ela está vivendo fosse quase irreal.

O filme todo é fundamentado nessa simplicidade, que Reichenbach usa para fazer seu manifesto sobre a classe operária e marginalizada. Ele faz aqui uma baita crítica à falta de oportunidades e à forma como quem está acima enxerga os de baixo – e também aos desejos fúteis de ascensão do proletariado. Sim, ele critica também a protagonista, como se fosse um pai que não censura a filha e a deixa perceber por conta própria que está trilhando o caminho errado. Por mais que o diretor e roteirista adore Silmara (vivida por Rosane Mulholland) e a mostre como uma mulher de personalidade forte, Reichenbach também a desnuda (literalmente, até) em seu lado fraco: ela não aprende e cai na mesma armadilha duas vezes, iludida pela imagem que ela mesma projetou de como seria estar com alguém famoso, acima de seu nível social.

Uma cena importante é aquela em que, mesmo tendo se decepcionado com o personagem de Cauã Reynolds – um vocalista de uma banda pretensiosa como ele – Silmara diz para as amigas que o encontro foi maravilhoso. Quer dizer, ela sustenta para as outras a imagem do príncipe encantado e bem dotado, pois sabe, mesmo que inconsciente, que essa imagem é algo em que elas podem se apoiar para sonhar e, assim, serem felizes, ainda que só naquele momento.

O humor funciona bem em “Falsa Loura”, embora não na mesma proporção que em “Garotas do ABC”, que é um filme com o qual esse dialoga diretamente. O sonho da protagonista com Maurício Mattar, que interpreta um cantor brega desses de temas de novela do SBT, é um dos pontos altos nesse sentido, quando Reichenbach cria um videoclipe tosco, com direito à letra de música de karaokê. Só que Reichenbach olha para esse universo não com um olhar de deboche. Ele apenas tira dali um humor que é intrínseco às vidas daquelas pessoas – elas também ririam daquilo se estivessem na platéia.

Reichenbach é muito honesto com os personagens que constrói, pois eles são baseados em pessoas que vivem aqueles dramas e risos, falam daquele jeito, dançam daquele jeito. Algumas coisas poderiam ter recebido um acabamendo melhor: por exemplo, a personagem da funcionária feia, que logo é abandonada na história, e o irmão da protagonista, que também é mal desenvolvido. Algumas coisas ficam soltas, sendo que em seus dois filmes anteriores, “Garotas do ABC” e “Bens Confiscados”, Reichenbach consegue resolver melhor cada personagem, os roteiros são mais redondos. De toda forma, “Falsa Loura” é um filme que de falso nada tem e é sincero, também, em relação aos seus problemas.

nota: 8/10 — vale o ingresso

Falsa Loura (2008, Brasil)
direção: Carlos Reichenbach; com: Rosanne Mulholland, Cauã Reymond, Djin Sganzerla, João Bourbonnais, Léo Áquila, Vanessa Prieto, Luciana Brites, Maeve Jinkings, Jiddú Pinheiro, Suzana Alves, Emanuel Doria, Maurício Mattar; roteiro: Carlos Reichenbach; produção: Sara Silveira; fotografia: Jacob Sarmento Solitrenick; montagem: Cristina Amaral; música: Nelson Ayres e Marcos Levy; estúdio: Dezenove Som e Imagens; distribuição: Imovision. 105 min
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