O Curioso Caso de Benjamin Button

 

Da mesma forma como um filme sobre guerra na verdade fala sobre a importância da paz entre os homens, da mesma forma como um filme sobre morte quer mostrar o quanto é fundamental aproveitar todos os aspectos da vida, um filme como “O Curioso Caso de Benjamin Button” – sobre um homem que nasce com atributos fisiológicos de um idoso e passa a vida em um gradual processo de rejuvenescimento corporal – tem como tema principal a necessidade de se percorrer esse inevitável caminho que todo ser tem à sua frente. Só não precisava ser tão óbvio.

Talvez as cenas que mais toquem a proposta do filme estejam no bloco dedicado à época em que Benjamin se vê na iminência de formar uma família. Não bastasse sua condição já representar um enorme fardo (que o privou de ter uma infância ao lado das crianças que brincavam na rua em frente ao asilo onde ele foi criado, ou de descobrir o primeiro amor na adolescência, porque dificilmente alguém acreditaria que aquele não se tratava de um caso de pedofilia), esse trágico personagem se vê confrontado pelo fato de que ele não poderá envelhecer junto com seus filhos e esposa. Condenado a ser uma aberração, Benjamin irá passar a vida correndo contra o tempo, pois, mesmo que seu relógio biológico ande no sentido inverso, ele completará o ciclo mais cedo ou mais tarde, como qualquer um.



Eric Roth, que adaptou para a tela o conto de F. Scott Fitzgerald, modificou grande parte do texto original, que possui um lado mais sagaz, com toques de sarcasmo, que explora justamente a reação de Benjamin frente às diferenças entre ele e as demais pessoas (um resumo está aqui, enquanto a íntegra se encontra aqui). Já na versão filmada, o protagonista se torna um sujeito perplexo, de olhar confuso, como se passasse toda sua existência tentando compreender o que está acontecendo ao seu redor.

Isso pode explicar a atuação monocórdica (e correta) de Brad Pitt, que não vemos chorar ou sentir raiva e, mesmo nos momentos em que demonstra estar alegre, tem sorrisos e expressões um tanto contidos. Parece que ele faz o personagem estar sempre surpreso com o mundo e consigo mesmo. Por outro lado, o Benjamin atônito criado por Roth também parece admirado com a própria capacidade de elaborar frases feitas. E, assim, a narração em voice over proposta pelo roteirista, na forma de um diário, acaba por oferecer uma coleção de citações – que já afloram internet a fora como se fossem máximas da mais nobre estirpe, quando estão mais para frases de pára-choque de caminhão. “Nossas vidas são definidas por oportunidades, mesmo aquelas que perdemos.” “Algumas vezes estamos em uma rota de colisão, mas não sabemos.” “Você nunca sabe o que está reservado para você.” “Eu estava pensando em como nada dura, e como isso é lastimável.” “Ninguém é perfeito para sempre.” E por aí vai.

Essas frases de efeito pontuam praticamente todo o longa (inclusive dando origem a uma última sequência que surge de maneira inorgânica, somente para concluir a história sem perder o tom de fábula que envolve o filme até ali). Roth também criou quotes memoráveis para “Forrest Gump: O Contador de Histórias” (que também é uma grande fábula e possui semelhanças estruturais com “Benjamin Button”, é só comparar ou ver este vídeo). E da mesma forma como fica a cargo de cada um pensar o que quiser sobre uma frase como, “A vida é como uma caixa de chocolates: você nunca sabe o que vai encontrar”, gostar ou não gostar das palavras de Benjamin Button se torna uma questão subjetiva – assim como se envolver com seu drama.

David Fincher se vê pela primeira vez diante de um material com essa tendência emotiva, bem diferente das histórias de suspense de seus thrillers policiais ou da anarquia de um “Clube da Luta”. Nesse sentido, é o texto de F. Scott Fitzgerald que iria mais de encontro ao seu estilo habitual, não o roteiro de Eric Roth. A consequência dessa mudança de ares é um Fincher mais light, que mais parece um Jean-Pierre Jeunet (para o bem ou para o mal) do que qualquer outra coisa (além de “Forrest Gump”, o filme tem fortes semelhanças com “O Fabuloso Destino de Amélie Poulain” – tome como exemplo a sequência do táxi). Ainda assim, o cineasta continua obsessivo com os detalhes. Suas composições de quadro são incrivelmente sempre muito ricas, o que enche os olhos. Porém, se nisso ele busca manter uma unidade, o que gera inclusive espirituosas gags visuais (as memórias dos personagens são representadas como se fossem filmes antigos, com direito à simulação de sujeiras, riscos e deteriorações do negativo), o perfeccionismo do cineasta também passa a ser um incômodo quando ele opta por usar um truque de animação para criar uma cabeça digital fidedigna a de Brad Pitt.

Explico. Se a maquiagem de Cate Blanchett no leito do hospital mal lembra a atriz que conhecemos (cheguei a pensar que se tratava de outra intérprete), por que outro ator não poderia interpretar Benjamin em seus primeiros anos de vida? Por acaso o espectador não sabe que está vendo um filme (e um filme absurdo!) e tem que ser convencido de que aquele velhinho baixinho é o personagem de Brad Pitt? Ora, ora, senhor Fincher! Por que não aproveitou e arrancou também a cabeça dos atores mirins para substituí-las por versões infantes do galã?

Se um diretor se dá o direito de recorrer à metalinguagem, simulando razões de aspecto e granulações diferentes ao longo do filme, ele deveria ter um pouco mais de fé no seu público sem precisar recorrer a um mero truque publicitário para vender efeitos especiais. E Fincher já provou que sabe trabalhar com efeitos. Porém, nesse uso específico de CGI por motion-capture, ele demonstra a mesma falta de sutileza que se observa em “Quarto do Pânico”, onde utiliza gratuitamente aquela câmera virtual e impossível, que passa por um buraco na parede até entrar na lâmpada de uma lanterna. É o efeito pelo efeito, só para estar “na moda”. E no caso de “Benjamin Button” se torna uma distração – mesmo problema que atrapalha o trabalho de Robert Zemeckis em “A Lenda de Beowulf” e “O Expresso Polar”. Você se preocupa tanto em tentar ser iludido pelo realismo (perceba o paradoxo), que a verossimilhança vai para o espaço.

Pode parecer que existem mais problemas do que qualidades em “Benjamin Button”, mas o filme está longe de ser detestável. Enquanto espetáculo, faz jus às suas qualidades técnicas: é bonito de se ver, tem todo um clima lúdico e fabuloso na fotografia, e a montagem não deixa a longa narrativa ficar cansativa (aliás, é muito boa a forma como a passagem do tempo é sugerida, através do uso das músicas e de imagens de TV inseridas nas cenas). E apesar de não ter me sentido particularmente envolvido pelo drama, reconheço que seu tom melancólico é bastante adequado à mensagem que quer transmitir. Só acho que, tendo em vista todos os talentos envolvidos aqui, o resultado poderia ter sido muito mais do que apenas curioso.

 

nota: 7/10 6/10– vale o ingresso

 

O Curioso Caso de Benjamin Button (The Curious Case of Benjamin Button, 2008, EUA)
direção: David Fincher; com: Brad Pitt, Cate Blanchett, Julia Ormond, Jason Flemyng, Elias Koteas, Taraji P. Henson, Elle Fanning, Ted Manson, Jared Harris, Tilda Swinton; roteiro: Eric Roth (baseado em um conto de F. Scott Fitzgerald); produção: Ceán Chaffin, Kathleen Kennedy, Frank Marshall; fotografia: Claudio Miranda; montagem: Kirk Baxter, Angus Wall; música: Alexandre Desplat; estúdio: The Kennedy/Marshall Company, Paramount Pictures, Warner Bros. Pictures; distribuição: Warner Bros. Pictures. 166 min