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Crítica: “Entre os Muros da Escola”

Uma das inúmeras fórmulas narrativas que o cinema, não só o americano, recicla de tempos em tempos, talvez desde “Ao Mestre, Com Carinho” (clássico com Sidney Poitier, de 1967), é a do “filme de professor”. Você sabe: um professor se vê diante de uma turma de alunos desordeiros e acredita que conseguirá “domá-los”, mesmo que seus colegas de docência tentem desanimá-lo. Entre esses alunos estão arquétipos facilmente identificáveis: o menino que tem problemas com os pais, aquele outro que é mais tímido, uma garota que é a porta-voz da turma, o bagunceiro de plantão, e por aí vai.

Pode-se dizer que “Entre os Muros da Escola” (que venceu a Palma de Ouro no Festival de Cannes em 2008) também é um “filme de professor”. Porém, o cineasta francês Laurent Cantet, aqui em seu quarto longa, faz uma abordagem totalmente diferente daquela estrutura comumente usada. Seu filme é mais focado na geografia de uma sala de aula, isto é, nas múltiplas relações entre aquele ambiente e as pessoas que ali convivem, e, claro, também nas relações entre aqueles personagens: alunos e professor, alunos e alunos, professor e professores, professor e pais e, por fim, alunos e pais.

É um escopo muito mais abrangente e complexo, que coloca o espectador como observador invisível e onipresente da rotina “entre os muros” durante um ano letivo (a única tomada fora da escola é a primeira, que mostra o professor François Marin chegando para o primeiro dia de aula). A lente de Cantet se comporta como olhar documental, algumas vezes vindo de uma carteira na fileira anterior àquela onde acontece uma discussão entre alunos, outras partindo do corredor dois andares acima do pátio onde os garotos jogam bola no recreio. A direção é bastante crua, realista, não recorre nem mesmo a uma trilha sonora. O máximo de intervenção a que Cantet chega é numa cena em que um aluno lê um texto diante da classe e o faz olhando para a câmera.

Em pouco mais de duas horas que passam voando, “Entre os Muros da Escola” é envolvente não só por seu realismo gritante (todos no elenco são professores, alunos e pais também na vida real, embora não estejam interpretando a si mesmos – passaram por um workshop a la Fátima Toledo), mas também pela forma como as subtramas se delineiam. Se num típico “filme de professor” você tem as histórias de cada um daqueles arquétipos claramente demarcadas, aqui o roteiro co-escrito por Cantet e François Bégaudeau (autor do livro que inspira o filme e também intérprete do professor protagonista) trabalha um grau de nuança que não força ou dita a “boa moral”. Não são oferecidas redenções ou conclusões, não há a “lição aprendida”. Se alguns dos enredos ali emaranhados chegam a seus finais (como o caso do intransigente Souleymane), fica a sensação de que aquelas são situações naturalmente resolvidas, e não tramas hermeticamente fechadas, de início-meio-fim.

É por essa razão que o personagem do professor François fascina, simplesmente por ser um ser humano: ele é o “herói” que tenta salvar aquela turma do caos, mas não é isento de falhas e também se converte em “vilão” ao quebrar a linha de conduta com os alunos em pelo menos dois momentos. Contudo, seu método de aprendizagem não deixa de ser admirável: estimular o conhecimento do aluno, e não apenas passar a lição de casa, dar ou tirar pontos e esperar o sinal tocar. E o que revela a fragilidade por trás da postura agressiva de alguns daqueles jovens (claramente um mecanismo de defesa) são os momentos em que François tenta valorizar um trabalho bem feito, mas os próprios alunos parecem não ter auto-estima para se valorizarem.

O que importa para François e para o filme é como as vidas daqueles adolescentes convergem para a sala de aula, como suas experiências implicam em seu aprendizado. É o que o professor busca trabalhar com a tarefa do autoretrato – por sinal, algo que o próprio Cantet acaba fazendo em relação ao ambiente estudantil na França e que, sem dúvidas, encontra ecos do outro lado do Atlântico.

 

nota: 9/10 — veja no cinema e compre o DVD

 

Entre os Muros da Escola (Entre les Murs, 2008, França)
direção: Laurent Cantet; roteiro: Laurent Cantet, Robin Campillo, François Bégaudeau (baseado no livro de François Bégaudeau); fotografia: Pierre Milon, Catherine Pujol, Georgi Lazarevski; montagem: Robin Campillo, Stéphanie Léger; produção: Caroline Benjo, Carole Scotta, Barbara Letellier, Simon Arnal; com: François Bégaudeau, Nassim Amrabt, Laura Baquela, Cherif Bounaïdja, Juliette Demaille, Wei Huang, Franck Keïta, Justine Wu, Rachel Régulier, Esméralda Ouertani, Boubacar Touré; estúdio: Haut et Court, France 2 Cinéma, Canal +; distribuição: Imovision. 128 min
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