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O Discurso do Rei

Vários fatores justificam as 12 indicações de “O Discurso do Rei” ao Oscar deste ano. Podemos citar a conhecida preferência dos membros da Academia por histórias de época e que envolvem os bastidores do poder. Há também o longo namoro que o Oscar tem com o cinema britânico, tendo premiado filmes como “A Rainha” e “Shakespeare Apaixonado”, só para citar alguns mais recentes. E existe ainda a questão da politicagem por trás da premiação: os irmãos Bob e Harvey Weinstein, produtores executivos e distribuidores do filme nos Estados Unidos, são conhecidos por terem grande influência no meio. Eles já haviam garantido o Oscar de “Shakespeare Apaixonado” em 1999 e, este ano, a história parece se repetir, embora a concorrência seja mais forte. Por fim, há a questão da extinção do UK Film Council, anunciada em julho do ano passado. Trata-se da agência criada pelo governo britânico para financiar o cinema do país. O fim dela tem gerado muitos protestos e ganhado simpatizantes, inclusive no cinema americano, tendo Clint Eastwood como um de seus porta-vozes. Portanto, a presença maciça de “O Discurso do Rei” na mídia durante a temporada de premiações é reflexo dessa crise, uma tentativa de “salvar” o cinema britânico.

Pois bem, de todas essas razões que levaram o filme sobre a gaguez do Rei George VI a ganhar prêmios e virar favorito ao Oscar, nenhuma é uma razão de mérito artístico. Estranho, quando estamos falando de uma obra de arte, e é como tal que devemos analisá-la. Dirigido por Tom Hooper – cineasta novato, conhecido apenas pela pouco vista comédia “Maldito Futebol Clube” e por séries de TV que não chegaram ao Brasil – “O Discurso do Rei” não chega nem a ser um filme burocrático. É um filme de fórmula, estudado para fazer rir aqui e fazer chorar ali. É um conto de fadas, com direito até a um “felizes para sempre”.

Hooper se esforça para ser espontâneo ao menos no estilo, mas acaba criando um incômodo na composição estranha das cenas, enquadrando os atores nos cantos do quadro enquanto o restante é preenchido por objetos e cenários arranjados à força. Aliás, a obsessão do cineasta por tudo o que há em cena, menos as pessoas sobre quem está falando, já pode ser observada logo no início, quando ele abre o longa filmando um microfone por todos os ângulos. E nem é o microfone do rei!

Felizmente, há Colin Firth no papel principal. Firth é um grande ator e seu trabalho, sim, justifica o favoritismo ao Oscar a que ele concorre. Sua interpretação tem momentos de exagero, mas é notável como ele transforma esse exagero num desconforto para o personagem, que é um homem tímido e que se vê refém da condição de governante. Geoffrey Rush, como o fonoaudiólogo que ajuda o rei a controlar a dicção, também está em ótima forma e demonstra que um ator consagrado não precisa se diminuir em um papel coadjuvante. Já Helena Bonham-Carter, que garantiu a terceira indicação do elenco ao Oscar, tem uma atuação correta e distinta das personagens esquisitonas que ela costuma interpretar, mas não será injusto se ela não for premiada.

Portanto, “O Discurso do Rei” é um filme que se sobressai muito mais pelo trabalho dos atores. Que ele ocupasse uma das dez vagas entre os indicados ao Oscar não é problema. É uma boa história, embora como filme poderia ter sido substituído tranquilamente por meia dúzia de títulos melhores lançados no ano passado e que foram esnobados pela Academia (“O Escritor Fantasma”, alguém?). O que o descredencia é o fato de poder sair vitorioso por questões que estão além da tela, quando há claramente filmes mais dignos na competição. Mas Oscar nunca foi merecimento, não é verdade?

O Discurso do Rei (The King’s Speech, 2010, Reino Unido/Austrália/EUA)
direção: Tom Hooper; roteiro: David Seidler; fotografia: Danny Cohen; montagem: Tariq Anwar; música: Alexandre Desplat; produção: Iain Canning, Emile Sherman, Gareth Unwin; com: Colin Firth, Helena Bonham Carter, Geoffrey Rush, Derek Jacobi, Timothy Spall, Guy Pearce, Michael Gambon, Freya Wilson, Freya Wilson; estúdio: See Saw Films, Bedlam Productions; distribuição: Paris Filmes. 118 min

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