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O Hobbit: Uma Jornada Inesperada

Peter Jackson nos leva de volta à Terra Média para mostrar quase tudo de novo.
Peter Jackson nos leva de volta à Terra Média para mostrar quase tudo de novo.
Quase dez anos após o último filme da trilogia “O Senhor dos Anéis”, o diretor, roteirista e produtor Peter Jackson nos leva mais uma vez até a Terra Média, agora para acompanharmos a aventura que aconteceu antes da jornada de Frodo (Elijah Wood) para destruir o Anel do Poder. Em “O Hobbit”, o protagonista é o tio de Frodo, Bilbo Bolseiro (agora interpretado por Martin Freeman, o Arthur Dent de “O Guia do Mochileiro das Galáxias”, embora Ian Holm, o intérprete original, faça uma breve aparição, logo no começo do filme). Bilbo é chamado pelo mago Gandalf (novamente Ian McKellen) para acompanhar uma comitiva de anões guerreiros e ajudá-los a recuperar o reino que eles perderam para o impiedoso dragão Smaug.

 

“O Hobbit” tenta fazer de tudo para agradar aos fãs do escritor J.R.R. Tolkien, autor dos livros que inspiram a trilogia “O Senhor dos Anéis” e, agora, a trilogia “O Hobbit”. É que o livro, apesar de ser bem mais curto que “O Senhor dos Anéis”, também dá origem a três filmes. Sendo assim, já era de se esperar que Jackson expandiria a história, ou, vulgarmente falando, encheria linguiça para dar conta de fazer três longas-metragens com cerca de três horas de duração cada um.

 

O resultado é que esta primeira parte, intitulada “Uma Jornada Inesperada”, é um tanto cansativa se comparada ao primeiro “O Senhor dos Anéis”. O filme se dedica muito a cenas que servem apenas para agradar aos fãs, que querem ver tudo da forma mais detalhada possível, e Jackson claramente busca saciar essa vontade, novamente valorizando o trabalho da equipe de design de produção com planos de detalhe que exploram as minúcias dos ambientes, e mesmo com planos abertos contemplativos em cada cenário em que os personagens pisam.

 

Ao público geral, no entanto, o que interessa mesmo é conhecer os personagens e acompanhar a aventura. E não fossem tantas pausas para flashbacks e conversas, talvez fosse mais agradável chegar até o final do filme, que poderia perfeitamente durar cerca de duas horas, talvez até menos, sem prejudicar a lógica da narrativa. Por outro lado, algumas das cenas “desnecessárias” são as mais divertidas, como o encontro de Bilbo e os anões com um trio de trolls na floresta (um momento que faz ligação direta com “A Sociedade do Anel”, onde os personagens passam pelo mesmo local e encontram as três criaturas petrificadas).

 

O maior problema do filme, então, talvez não seja o seu ritmo, mas a repetição da estrutura do roteiro. “Uma Jornada Inesperada” segue praticamente o mesmo riscado de “A Sociedade do Anel”: começa na casa de Bilbo, segue pela floresta, passa pelo campo, entra em Valfenda (o lar dos elfos), atravessa um desfiladeiro (trocando a avalanche de neve por rochas – aliás, numa sequência visualmente formidável) e chega numa montanha – de onde os personagens sairão para uma última batalha. E, claro, o final fica em aberto, com o destino surgindo no horizonte. Até nisso o filme se repete: Erebor, a fortaleza dos anões, funciona exatamente como Mordor em “O Senhor dos Anéis”. Até o olho do dragão se assemelha ao de Sauron.

 

Da mesma forma, o espectador é privado da surpresa, já que Jackson, acreditando demais no sucesso dos três filmes anteriores, se limita a reencenar várias situações, especialmente as que envolvem Gandalf. Se é uma rima pontual e singela quando o mago bate a testa no lustre do teto da casa de Bilbo, vê-lo soprando algumas palavras mágicas para uma borboleta em um momento de perigo é frustrante, pois você sabe exatamente o que acontecerá em seguida, uma vez que o mesmo truque já foi utilizado pelo personagem, em duas ocasiões, em “O Senhor dos Anéis”.

 

Isso talvez faça parte da clara tentativa de Jackson em ligar as duas trilogias. Ao invés de funcionar como uma aventura solo, como é o livro, “O Hobbit” a todo momento faz menções ao mal que está voltando a assombrar a Terra Média, dando a entender que os dois filmes seguintes irão fazer ainda mais referências e fazer ligações com “O Senhor dos Anéis”, inclusive com participações de personagens que não estão no material original.

 

Apesar de ser mais do mesmo, “Uma Jornada Inesperada” é entretenimento acima da média das produções do gênero em Hollywood. As cenas de ação são boas (embora Jackson continue a filmar perto demais em vários momentos de cenas de batalha) e há mais humor, porque os anões são personagens mais piadistas. E por falar nos anões, eles são muitos e surge a dificuldade de identificá-los e guardar seus nomes e características próprias. Em “O Senhor dos Anéis”, os personagens são de raças diferentes e têm personalidades distintas. Já em “O Hobbit”, os anões diferem um do outro fisicamente, mas são quase todos iguais e mal desenvolvidos. Apenas três ou quatro se sobressaem, entre eles o líder Thorin Escudo de Carvalho, que faz as vezes de Aragorn como o guerreiro relutante e destemido.

 

Outro ponto positivo é que, assim como em “O Senhor dos Anéis”, os cenários, figurinos e efeitos visuais enchem os olhos. Um trabalho primoroso que fica ainda mais bonito se visto em 3D, que potencializa a fotografia de Andrew Lesnie (que também trabalhou nos três filmes anteriores). O uso da profundidade de campo é formidável e os gimmicks, como atirar coisas em direção a plateia, são pontuais e efetivos.

 

“O Hobbit” também pode ser visto nos cinemas na versão 48 frames por segundo (ou HFR – High Frame Rate – como alguns cinemas têm chamado), que é o dobro da velocidade de captação tradicionalmente usada para filmar. Aqui, a captação é feita com uma câmera digital, a RED epic, o que também resulta na eliminação da granulação. O resultado é que as imagens ficam com um aspecto mais “limpo”, mas não deixam de parecer imagens de cinema, pois a iluminação continua fazendo toda a diferença e distingue perfeitamente o filme de uma novela transmitida na TV em Full HD, por exemplo.

 

O problema mais grave dos 48 frames reside mesmo é na velocidade. Não se pode dizer que o filme fica mais natural ou realista, como Jackson tem preconizado, porque, afinal, em mais de um século de cinema, o que é natural para o espectador é ver um filme em 24 frames. Logo, o contato inicial com um filme em 48 frames não terá nada de natural e certamente será estranho e incômodo. E muito disso, como podemos observar nesta primeira experiência direta com um filme narrativo feito dessa forma, se deve à fluidez das imagens. Em várias ocasiões, todas elas quando a câmera se movimenta muito rápido em uma tomada muito curta, ou quando há algum movimento rápido em um plano fechado (alguém abrindo uma porta, por exemplo), a sensação é a de estarmos vendo o filme acelerado, com o botão Fast Forward pressionado. Ou, para quem tem uma TV mais moderna, é como se o recurso TruMotion, que pretende “suavizar” movimentos rápidos, estivesse ligado.

 

Por outro lado, os personagens feitos por computador e os cenários ficam soberbos se vistos na versão 48 frames. Os trolls, os goblins e os orcs, além, claro, do Gollum, parecem mesmo mais reais, o que beneficia a interação deles com os atores e fortalece a impressão de que eles estão lá de verdade. E para o cenário, a água correndo e o balançar das folhas das árvores ou do capim ao longo da estrada ficam realmente mais fluidos.

 

Claro, esses são aspectos periféricos e que não têm importância narrativa. Aumenta a verossimilhança? Sim. Mas, novamente, não são naturais para os nossos olhos acostumados a ver filmes em 24 frames. Pode ser que, com o passar do tempo, a utilização cada vez mais ampla dos 48 frames venha a beneficiar o modo de fazer e ver um filme. Mas, por enquanto, vale mais como curiosidade. O melhor formato para assistir a “O Hobbit” é em 3D, em 24 frames. Depois que você tiver visto assim, não deixe de rever em 48 frames. Se do ponto de vista da realização é um formato problemático, do lado da experimentação é, sem dúvidas, válido.

 

O Hobbit: Uma Jornada Inesperada (The Hobbit: An Unexpected Journey, 2012, EUA/Nova Zelândia). Direção: Peter Jackson. Roteiro: Fran Walsh, Philippa Boyens, Peter Jackson, Guillermo del Toro (baseado no livro “O Hobbit”, de J.R.R. Tolkien). Fotografia: Andrew Lesnie. Montagem: Jabez Olssen. Música: Howard Shore. Produção: Carolynne Cunningham, Peter Jackson, Fran Walsh, Zane Weiner. Estúdio: New Line Cinema, MGM, WingNut Films, 3Foot7. Distribuição: Warner Bros. 169 min

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