"Maya" (2018) - Foto: Divulgação
"Maya" (2018) - Foto: Divulgação

“Maya”: Um muso, um tropeço e muitos problemas

Quando uma cineasta talentosa como Mia Hansen-Løve faz um filme desastroso como “Maya”, a vontade é chamá-la para uma mesa de bar, pagar a cerveja e falar “amiga, deu ruim, mas eu ainda te amo. Bola pra frente”. É difícil, e talvez desnecessário, entender como, depois do que talvez seja seu melhor filme (o excelente “O Que Está por Vir”), alguém possa fazer seu pior.

A impressão que fica (e sem nenhum tipo de machismo, já que isso também acontece, e muito mais frequentemente, com diretores homens) é que Hansen-Løve se apaixonou artisticamente pelo ator Roman Kolinka (que também estrelou “O Que Está por Vir”) e quis fazer um longa todo para seu novo muso. Em “Maya”, ele vive Gabriel Dahan, repórter de guerra que retorna à França após meses sequestrado na Síria. Para exorcizar o trauma, ele viaja para Goa, onde pretende restaurar uma antiga casa dos pais e acaba se envolvendo com a Maya do título (Aarshi Banerjee), filha adolescente de seu padrinho Monty (Pathy Aiyar).

Só que é difícil começar a enumerar os problemas com essa premissa. Porque nada em “Maya” funciona. Em primeiro lugar, em nenhum momento, Kolinka convence minimamente como um repórter de guerra ou alguém sofrendo de um trauma como o sofrido por Gabriel. E em segundo, o filme passeia por diversas questões sociais contemporâneas – a guerra no Oriente Médio, a especulação imobiliária no sudeste asiático, o transtorno de stress pós-traumático de quem retorna de zonas de conflito – mas não se aprofunda em nenhuma. Ao contrário de “O Que Está por Vir”, que costurava organicamente temas contemporâneos e filosóficos ao drama burguês, o roteiro nunca discute esses temas para além do superficial, preferindo focar no desenvolvimento da relação entre Gabriel e Maya.



E aí reside o segundo, e talvez maior, problema do longa. Para começo de conversa, a química entre Kolinka e Banerjee – dois atores contracenando em uma segunda língua, o inglês – é inexistente. As cenas soam duras e forçadas. E para piorar, há a questão da idade. O ator francês tem 32 anos, e Maya é apresentada como uma estudante de ensino médio. Pode-se argumentar que a diferença é (mais ou menos) a mesma de “Me Chame pelo seu Nome”. Mas o grande diferencial é que o filme de Luca Guadagnino era narrado do ponto de vista de Elio, e por mais que Hansen-Løve deixe claro que Maya vai atrás de Gabriel bem mais que o contrário, ela nunca deixa de ser uma mera ferramenta no processo de cura e superação dele.

Com isso tudo, “Maya” se torna mais um longa em que um homem branco viaja para um país estrangeiro e usa as belas paisagens, o exotismo e o povo local como remédio para suas agruras. E com um roteiro que nunca encontra formas criativas, ou minimamente originais, de fazer isso.

Gabriel passa planos e mais planos dirigindo sua vespa para cima e para baixo, e andando pelos complexos urbanos do sudeste asiático. A fotografia de Hélène Louvart (dos ótimos “Pina” e “Ratos de Praia”) é belíssima, e sua paixão pela beleza das locações e de seus protagonistas é clara, assim como o contraponto que Hansen-Løve deseja fazer entre a liberdade do protagonista ali e seu aprisionamento anterior. Mas a questão é que nada acontece nessas cenas, e elas acabam se tornando repetitivas.

A cineasta continua tendo um olho único para a direção de arte, criando identidade e autenticidade em cada um dos espaços, e para a trilha musical. Mas sem uma substância a ser sustentada, eles acabam parecendo emulações baratas dos trabalhos anteriores da francesa. Todo grande diretor tem um tropeço, que pode abalar sua confiança ou ser uma lição para o futuro – e no caso de uma mulher, infelizmente, isso é ainda mais perigoso. Mas para o bem do cinema contemporâneo, no caso de Hansen-Løve, tomara que “Maya” seja o segundo caso. 

Texto escrito como parte da cobertura da 42ª Mostra de Cinema de São Paulo e publicado originalmente em 25 de outubro de 2018. O crítico viajou a convite da Mostra.