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“A Rainha Diaba” é aclamado por público e crítica na Berlinale 2023

"A Rainha Diaba" (1973), de Antonio Carlos da Fontoura - Divulgação

Divulgação

O filme “A Rainha Diaba” (1973), dirigido por Antonio Carlos da Fontoura e estrelado por Milton Gonçalves, Stepan Nercessian, Odete Lara, Nelson Xavier e Wilson Grey, foi exibido na mostra Forum Especial da 73ª edição do Festival de Berlim.

Sempre existe um argumento ou uma anedota com fatos hilários e/ou inusitados em torno de uma ideia que virou um filme e como essa ideia encontra o caminho até às grandes telas, seja do Festival de Cannes nos anos 1970 ou na mostra Forum Special da Berlinale — mostra focada numa dobradinha de relevância cinematográfica e ousadia estética.

Por partes

Na década de 1970, reinava a irreverência carioca, regada a muito chope e ervas, mais e menos perigosas. Com o então muito jovem Antonio Carlos Fontoura, não foi diferente. A convulsão cultural, a sonoridade de Jimmy Hendrix, a ânsia pelo transcendente marcavam o zeitgeist. O próprio uso da maconha levou Antonio, num momento de reflexão, a procurar quem eram as pessoas atrás da erva que ele fumava. “Tudo foi nascendo, teve um processo”, disse ele.

O produtor Roberto Farias disponibilizou, na época, um orçamento que permitia a equipe, uma situação confortável durante a filmagem.

approach de Antonio seria mais do que uma auto-terapia, mas um corajoso empreendimento sócio-cultural que, mais de 40 anos depois, se tornaria um documento histórico de grande relevância e viria ajudar cinéfilos do grande mundo a entender um pouco como funciona a insustentável leveza do ser carioca.

Mesmo não rindo em cenas como, por exemplo, a do jovem Stepan Nercessian comparando a sua cabeleira com a do pôster do Rei Roberto Carlos colado na parede do quarto, cinéfilos presentes na Berlinale 2023 vieram para as sessões de “A Rainha Diaba” com fome suficiente para entender, senão o espírito do filme, mas que estavam diante de uma joia da cinematografia brasileira.

A estética de Hélio Oiticica, a música de Guilherme Vaz, músico que tinha banda de rock, mas que gostava mesmo de música experimental, deu ao longa dramaticidade e irreverência ao mesmo tempo do desconforto com “barulhos” sublinhados pelos cenários e a fenomenal direção de arte do filme. Um desses barulhos foi protagonizado pelo próprio diretor, como revelou durante a Q&A em Berlim, angariando risadas da plateia.

"A Rainha Diaba" (1973), de Antonio Carlos da Fontoura - Divulgação
“A Rainha Diaba” (1973), de Antonio Carlos da Fontoura – Divulgação

Preservação cultural

Filmes são resultado de paixão e coletividade, e o processo de restauração, também. A Cinelimite foi fundada por William Plotnick como plataforma de restauração de obras cinematográficas. Em conversa durante o coquetel de confraternização de cineastas na embaixada em Berlim, o novaiorquino comentou que tinha “um excelente emprego” e deixou tudo para se dedicar ao projeto. Agora, ele está se mudando para São Paulo.

Com os desdobramentos da participação na Berlinale e convite para a exibição de “A Rainha Diaba” em outras metrópoles, como Nova York e Londres, vem muito mais trabalho por aí.

Que a obra restaurada em 4K arrebataria crítica e público em todas as projeções que teve em Berlim foi uma grande surpresa para todos os envolvidos, até mesmo para o diretor, que mal se continha de tanto frisson em, depois de mais de 40 anos, ter o reconhecimento na Europa.

Caminho tortuoso para Cannes

“A Rainha Diaba” teve um caminho inusitado e tortuoso para Cannes. Na plenitude da Ditadura Militar, o filme despertou o interesse e curiosidade dos organizadores do então maior festival do planeta.

Antes do convite para exibir o filme na mostra competitiva da Cote D’Azur, a censura que, primeiramente, nem tinha se interessado a “avaliar” o filme, com o convite para “viajar” teve sua curiosidade despertada pelos filhotes da ditatura. Eles avaliaram o filme como “muito gay e prejudicial para a imagem do Brasil lá fora”.

O prazo de inscrição para a mostra competitiva expirou e “A Rainha Diaba” ficava de fora da corrida pelas Palmas. Porém, a teimosia e criatividade dos franceses foi ainda maior. Antonio recebeu a opção de exibir o filme na Quinzena dos Realizadores. Dito e feito.

Caminho asfaltado para Berlim

William Plotnick e o diretor Kleber Mendonça Filho (que, em 2020, foi membro do júri internacional da Berlinale) tiveram papel decisivo na empreitada de restauração de “A Rainha Diaba”. Ao contário de filmes que encontram décadas depois o sucesso negado por ocasião do lançamento, “Rainha” foi sucesso já na época, contabilizando a venda de 700 mil ingressos nas bilheterias brasileiras. Esse detalhe estatístico foi mencionado durante a entrevista que fiz com Fountoura em Berlim, logo depois da exibição do filme na Academia das Artes (a segunda de, ao todo, três sessões na Berlinale).

Mesmo que na foto deste artigo o cineasta esteja siizudo, no contato pessoal, na entrevista que consegui angariar espontamente depois da sessão, mesmo causando “atraso” na programação do grupo que estava saindo para almoçar, Fontoura se mostrou simpático e, acima de tudo, estava visivelmente feliz com o reconhecimento in loco da sua obra, em pleno 2023 e na cidade que respira cinema.

O diretor Antonio Carlos da Fontoura após a exibição de "A Rainha Diaba" na Berlinale 2023 - Foto: Fátima Lacerda
O diretor Antonio Carlos da Fontoura após a exibição de “A Rainha Diaba” na Berlinale 2023 – Foto: Fátima Lacerda

Vale a pena ver de novo

Mesmo que o trajeto para Berlim, em 2023, tenha tido suave (afinal, os tempos são bem outros), não falta uma anedota para contar.

Antonio me contou que, primeiramente, enviou o filme para ser exibido na mostra Berlinale Classics. Pouco tempo depois teria recebido um e-mail da curadora da mostra Forum, dizendo: “A gente gostou muito do seu filme e gostaríamos de exibi-lo.”

Depois da exibição na Academia das Artes, num domingo inusitadamente ensolarado, o diretor foi logo direto ao assunto: “Na época, o filme vendeu 700 mil ingressos, número expressivo e espelho do interesse dos brasileiros na época”.

Quanto à Berlinale: “Berlim foi o festival certo para estrear [a versão restaurada do filme] na Europa. A plateia é muito receptiva, muito participante. As questões feitas no final (no Q&A) foram muito interessantes e mostram que as pessoas estão antenadas, que acompanharam e que entenderam a proposta do filme.”

Pergunto como foi a reação do Milton Gonçalves ao receber o convite para protagonizar o filme: ele nao teve medo de sua carreira ser destruída?

Nada! Pelo contrário! Ele só pediu autorização ao filho. A mais ningúém, explica o diretor, visivelmente eletrizado com o reconhecimento no festival mais político da Europa,

E no Brasil de hoje, “Rainha” funciona para um relançamento?

“As sessões que fiz no Brasil, não foi para o público pagante e sim para convidados, mas a resposta foi muito boa. Além da temática, o Milton Goncalves é um ídolo, a Odete Lara é um ícone, além da própria história [do filme]”, afirma Fontoura.

“A Rainha Diaba” foi exibido no festival Janela Internacional de Cinema do Recife e na Mostra de São Paulo, em 2022, e agora em Berlim. Como será a carreira internacional depois da exibição na Berlinale?

“Será muito bacana difundir, mas eu não sou o produtor principal, que é o Roberto Farias. Eu possuo um terço [dos direitos do filme]. A gente está interessado em voltar a distribuir o filme, mas para isso acontecer, precisávamos primeiro dar uma exibição, que é o que estamos fazendo agora”, conta.

Encerro a conversa perguntando o que Fontoura leva no coração da experiência de participar Berlinale.

“A acolhida, a troca. São os aspectos mais importantes”, conclui.

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