"Ainda Não é Amanhã" (2024), de Milena Times - Foto: Embaúba Filmes/Divulgação
Foto: Embaúba Filmes/Divulgação

“Ainda Não é Amanhã”: o aborto tirado do tabu e humanizado na tela

Aborto é uma palavra que atravessa muitos lugares, principalmente para uma mulher. Além de atravessar lugares, provoca diversos sentimentos, como repulsa, medo, pavor, ódio e tolerância. Contudo, o mais grave talvez não seja um sentimento em si, mas uma consequência que, em muitos casos, é a morte — seja a literal, seja a de uma vida sonhada.

Nesse contexto forte é que somos levados a mergulhar em “Ainda Não é Amanhã”, um filme que conta a história de Janaína (Mayara Santos), uma jovem estudante de direito que precisa lidar com as dificuldades da vida na periferia de Recife enquanto enfrenta uma gravidez indesejada. O filme marca a estreia da diretora e roteirista Milena Times com um longa-metragem (antes ela havia dirigido os curtas “Au Revoir” e “Represa”).

A família da protagonista é composta apenas por mulheres: sua avó, Rita (Cláudia Conceição), e sua mãe, Luciana (Clau Barros). Esse fato por si só adiciona camadas à personagem e ao nível de responsabilidade que ela enfrenta ao descobrir a gravidez. A classe social também é bem delimitada durante o longa, dividindo os mundos de Janaína entre a faculdade e as possibilidades de uma vida melhor por meio do estudo, e a vida simples no conjunto habitacional em que vive.

"Ainda Não é Amanhã" (2024), de Milena Times - Foto: Embaúba Filmes/Divulgação
Foto: Embaúba Filmes/Divulgação

A rotina de Janaína se molda a partir dos estudos, tudo graças aos esforços de sua avó, costureira e empregada doméstica, e de sua mãe, cabeleireira. Dedicada, ela possui uma bolsa de financiamento na faculdade, além de ter conseguido uma vaga de monitoria pelo seu bom desempenho.

No primeiro ato, vemos a juventude no palco: Jana curtindo uma festa com o namorado (Mário Victor) e sua melhor amiga Kelly (Bárbara Vitória). A juventude à flor da pele, o desejo, a libido – tudo é ilustrado nesse momento com muita vivacidade. Essa série de escolhas acertadas feitas pelo roteiro é ideal para a humanização necessária acerca de um tabu tão grande como o do aborto.

Após um período, notamos, pela ótica de Janaína, que sua menstruação está atrasada. E com o teste de farmácia, vemos a confirmação da gravidez. Sua amiga Kelly é o ponto central de apoio: é ela quem acompanha todas as decisões da amiga e segura sua mão quando a decisão de não seguir com a gestação é tomada.

"Ainda Não é Amanhã" (2024), de Milena Times - Foto: Embaúba Filmes/Divulgação
Foto: Embaúba Filmes/Divulgação

Esse retrato de uma amizade feminina tão potente e verdadeira é o que torna a trama rica. A ausência de vilanismos e julgamentos também chama a atenção. O namorado surge como um apoio, porém ele não se sustenta ao longo do filme, mas também não é colocado como uma pessoa ruim ou “escrota”. As camadas em relação às personagens principais são feitas e demonstradas em tela, principalmente entre Jana e Kelly. Entendemos as marcas do passado e como cada uma se apoia, bem como o porquê dessa amizade.

Um ponto importante do filme é que Janaína só consegue ter acesso a um medicamento seguro para realizar o aborto quando, em um ato de puro desespero, revela sua situação para uma colega de faculdade que, diferente dela, é rica. Aí descobrimos que ela também já realizou um aborto, o que escancara a realidade de que pessoas que abortam não têm cara, mas só algumas morrem ao fazê-lo.

A conversa honesta entre Janaína e sua mãe, que a teve a partir de uma gravidez não planejada, emociona e revela duas jovens feridas, cada uma à sua maneira, mas com um profundo amor familiar e carinho. É uma cena que sintetiza a potência deste filme impactante e ao mesmo tempo sensível com as relações femininas e as decisões individuais. ■

Nota:

AINDA NÃO É AMANHÃ (2024, Brasil). Direção: Milena Times; Roteiro: Milena Times; Produção: Dora Amorim, Júlia Machado, Thaís Vidal; Fotografia: Linga Acácio; Montagem: Marina Kosa; Com: Mayara Santos, Clau Barros, Cláudia Conceição, Bárbara Vitória, Mário Victor, Guta Menelau, Lalá Vieira; Estúdio: Espreita Filmes, Ponte Produtoras, Ventana Filmes; Distribuição: Embaúba Filmes; Duração: 1h 17min.

Onde ver "Ainda Não é Amanhã" no streaming: