O Cine Humberto Mauro, em Belo Horizonte, está com uma programação especial que celebra o ator Grande Otelo. A mostra “Intérprete do Brasil – Uma Homenagem a Grande Otelo” acontece até o dia 29 de junho, com quase 40 filmes, sessões comentadas, debates, cursos e exibições de cópias restauradas. A iniciativa é uma parceria da Fundação Clóvis Salgado com o Ministério Público de Minas Gerais, parte do programa antirracista “Sobre Tons”.
A programação marca os 110 anos de nascimento de Grande Otelo, artista com mais de 100 filmes, além de cantor, compositor e poeta. A curadoria é de Fabio Rodrigues Filho, crítico, programador, pesquisador e diretor baiano.
Programação especial para o público
A mostra vai além das exibições de filmes. No dia da abertura, o multiartista Maurício Tizumba fez uma performance que terminou com um cortejo até o cinema. No encerramento, o Grupo de Choro do Cefart vai tocar clássicos de Pixinguinha, Chiquinha Gonzaga, Jacob do Bandolim e outros. A direção artística da mostra é de Layla Braz.
A proposta é que a mostra seja um espaço para o público conhecer e refletir sobre a obra de Otelo. A entrada é gratuita para todas as atividades.

Otelo: um símbolo de luta e resistência
Para Nádia Estela Ferreira Mateus, promotora de Justiça e coordenadora de Combate ao Racismo e Todas as Outras Formas de Discriminação do MPMG, a homenagem é significativa. “No ano em que celebramos os 110 anos de nascimento de Grande Otelo, o Ministério Público de Minas Gerais, ao lado da Fundação Clóvis Salgado, rende homenagem a uma das maiores referências da arte e da cultura negra no Brasil. Grande Otelo é um símbolo da luta e da resistência negra no campo artístico. Seu precioso legado, para além de ser preservado e difundido, também serve de alerta e reafirma a urgência de políticas reparatórias e de valorização da nossa história”, disse. Ela também afirma que a mostra é parte de uma série de ações do programa “Sobre Tons” para difundir uma cultura antidiscriminatória.
Vitor Miranda, Gerente de Cinema da Fundação Clóvis Salgado, destaca a importância da mostra para a história do cinema brasileiro. “Ao falar sobre Grande Otelo, estamos falando sobre a história do cinema brasileiro. No entanto, celebrar os 110 anos de nascimento desse artista tem por objetivo algo maior que relembrar (e reafirmar) sua importância no cinema nacional; a busca, aqui, é por revisitar, com olhar crítico e sensível, através do cinema e de outras artes, a trajetória de uma figura que pode ser considerada um símbolo da cultura brasileira”, explica. Ele também ressalta que a mostra busca valorizar figuras históricas que tiveram sua complexidade artística marginalizada por leituras estereotipadas. “Revisitar sua obra, hoje, é abrir espaço para o debate sobre representação, identidade e as múltiplas camadas do Brasil retratado nas telas”, completa.
Filmes que marcaram a trajetória de Otelo
A mostra “Intérprete do Brasil: Uma Homenagem a Grande Otelo” tem filmes de diferentes gêneros em que o ator esteve presente. Entre os destaques estão “Carnaval Atlântida” (1952), “Matar ou Correr” (1954), “Rio, Zona Norte” (1957), “Macunaíma” (1969) e “Lúcio Flávio, o Passageiro da Agonia” (1976). Além dos filmes estrelados por Otelo, a curadoria incluiu documentários sobre a vida e obra do artista.
Dois dos curtas da programação, “Tudo que é Apertado Rasga” (2019) e “Não Vim no Mundo pra Ser Pedra” (2021), foram dirigidos pelo curador Fabio Rodrigues Filho. Ele falou sobre a relação com o trabalho de Otelo e como isso influenciou a seleção dos filmes. “Somam-se muitos anos na minha pesquisa, na graduação, depois no mestrado, e agora no doutorado, quando ela ganha uma nova inflexão. Ela começou em 2017, também com uma mostra de cinema, e depois eu fiz o primeiro filme”, comenta. Rodrigues Filho destaca a oportunidade de apresentar o artista para uma nova geração. “Sinto que é como se o próprio estado de Minas Gerais estivesse homenageando um de seus filhos mais prodigiosos”, afirma.

Reflexão e formação
A mostra também tem um caráter formativo e reflexivo, com a presença de pesquisadores, curadores, críticos e pensadores. Diego Souza, Ewerton Belico, Fabio Rodrigues Filho, Kariny Martins, Leda Maria Martins, Luis Felipe Kojima Hirano e Tatiana Carvalho Costa vão comentar sessões de filmes. Além disso, haverá três cursos ministrados por Deise de Brito, Fabio Rodrigues Filho e Luis Felipe Kojima Hirano, que vão abordar a presença cênica de Grande Otelo e a história do cinema brasileiro com foco em atrizes e atores negros.
Layla Braz, diretora artística da mostra, ressalta que a iniciativa é um convite à reflexão. “Mais do que uma homenagem, a mostra é um convite à reflexão crítica e ao reposicionamento histórico de um artista negro que atravessou linguagens e resistiu a apagamentos. As atividades formativas ganham protagonismo nesta proposta: sessões comentadas, mesas de debate, cursos, o estudo de caso, entre outras, ampliam a experiência do público, articulando memória, pensamento e celebração”, explica. Ela também destaca a importância de revisitar a obra de Otelo para pensar o Brasil. “Revisitar Otelo é pensar o Brasil — e, sobretudo, é afirmar a centralidade da arte negra na formação da cultura nacional”, conclui.