Ícone do site cinematório

Um longa, um curta – Alguns favoritos do Cine PE 2025

"Senhoritas", de Mykaela Plotkin - Foto Divulgação

Antes de qualquer coisa, vale a observação: são duas produções pernambucanas, ambos filmes escritos, dirigidos e protagonizados por mulheres.

“Senhoritas”  (PE, ficção, 87′), de Mykaela Plotkin 

“Senhoritas” teve sua exibição no 29º Cine PE como uma das obras mais envolventes ao propor um mergulho na intimidade de uma mulher de 70 anos que redescobre a vida e o próprio corpo. A protagonista, Lívia, interpretada por Analu Prestes, é uma arquiteta aposentada que, após anos voltada à família, vê sua rotina ser levemente desestabilizada com a chegada de Luci, amiga dos tempos de juventude interpretada com espirituosidade por Tânia Alves.. A presença de Luci desperta lembranças e desejos, tornando-se catalisadora de uma profunda inquietação e de ruptura com os condicionamentos sociais e familiares.

No papel de Rui, marido de Lívia, Genézio Barros entrega uma atuação cuidadosa, e seu personagem foge do arquétipo do homem opressor. Em vez de antagonismos fáceis, o trio principal (Lívia, Rui e Luci) tem uma relação saudável, com tensionamentos e diferenças importantes, mas preservando o respeito e a cumplicidade. Isso permite que a narrativa explore possibilidades de uma convivência baseada no acolhimento e. A masculinidade de Rui não restringe, mas ampara — o que amplia as camadas do filme e  seu alcance emocional sem recorrer a oposições simplistas.

Direção e roteiro respeitam o tempo das personagens e valorizam suas subjetividades. A arte de Ana Mara Abreu e o figurino assinado por Andrea Monteiro ajudam a compor identidades sem recorrer ao exagero ou à caricatura. A fotografia de Cris Lyra filma os corpos com atenção e reverência, tratando a nudez na maturidade como lugar legítimo de desejo e presença. Não se trata de suavizar a velhice, mas de confrontar o tabu que ainda recai sobre o erotismo na terceira idade.

Um aspecto notável da obra é sua recusa ao conflito como motor da trama. “Senhoritas” se estrutura a partir de movimentos internos, privilegiando emoções contidas e atravessamentos sutis. Em coletiva de imprensa, a diretora e roteirista, Mykaela Plotkin, mencionou que sua abordagem se aproxima da chamada “Jornada da Virgem”, na qual a transformação da protagonista se dá na relação com o próprio íntimo e com os vínculos ao redor. A amizade entre mulheres ocupa um lugar central, surgindo como espaço seguro de muitas trocas e também como impulso para mudanças que parecem tardias apenas à primeira vista. “Senhoritas” cria, assim, um território cinematográfico sensível, que desloca silenciamentos e questiona ausências, abrindo caminhos para tudo aquilo que se vive, sente e deseja em qualquer fase da vida. Desenha no corpo maduro uma nova escrita do sentir — traços sutis de um erotismo que se afirma sem pudor, revelando o vigor e a beleza entre rugas e cicatrizes.

“Senhoritas”, de Mykaela Plotkin

……….

“Esconde-Esconde” (PE, ficção, 10′), de Vitória Vasconcellos

Gravado em 16mm, o filme nos fisga e não nos solta mais. Começa como um sussurro e logo se transforma em algo que arrepia. A câmera analógica e em primeira pessoa capta uma família recifense se reencontrando em São Paulo e nos coloca como testemunhas de uma experiência visceral. No centro dessa vivência, duas irmãs: aquela que observa, atenta, e acaba trilhando um caminho sem volta — entre o choque de realidade, o reconhecimento e a conexão; e aquela que disfarça, foge, sofre sem poder se expressar, até chegar ao ponto do grito que, por opressão e desamparo, precisa ser ocultado nas entranhas da cidade.

A solidão feminina diante da brutalidade de tudo que envolve um aborto clandestino no Brasil é dilaceradora, mas ganha texturas e contornos de fruição através do grão da imagem, da tensão crescente e da cumplicidade entre mulheres. De acordo com o artigo “As experiências de mulheres jovens no processo do aborto clandestino – uma abordagem sociológica”, de Simone Mendes Carvalho e Graciele Oroski Paes, o aborto clandestino está longe de ser um episódio raro ou desconhecido no país. Os dados sobre abortos e as taxas de mortalidade materna associadas à prática indicam que se trata de uma realidade presente, embora marcada pelo silêncio e pelo estigma. Por ser criminalizado, o procedimento costuma ser realizado de forma insegura, e muitas mulheres, especialmente em sua primeira experiência, não têm acesso a informações confiáveis sobre como realizá-lo nem sobre os riscos envolvidos.

Sem explicitar tudo, o filme comunica exatamente o que precisa ser entendido, utilizando pausas, detalhes visuais, o som e o fora de quadro para sustentar sua atmosfera e seu discurso. Com apenas 10 minutos, gera curiosidade, desconcerta, emociona… permanecendo em nós, por muito tempo, a inquietação devida (e um certo assombro).

“Esconde-Esconde”, de Vitoria Vasconcellos
Sair da versão mobile