"Ninguém Sabe que Estou Aqui" (2020) - Foto: Fábula Producciones 2020
Foto: Fábula Producciones

“Ninguém Sabe que Estou Aqui” é o encontro em meio ao esquecimento

A profundidade de “Ninguém Sabe que Estou Aqui” vem aos poucos. É quase como se o diretor Gaspar Antillo esquecesse também de nós que acompanhamos a história – não por desleixo, mas para causar a sensação de solidão e abandono que afeta o personagem principal. É um filme sobre solitude humana e em como certas ações geram impactos duradouros sobre nossos caminhos.

Acompanhamos de maneira quase claustrofóbica a vida de Memo (Jorge Garcia, da série “Lost”, em seu primeiro papel principal no cinema), um ex-cantor mirim que tem sérios problemas de socialização e vive uma vida simples com seu tio, cuidando de ovelhas. A maneira intimista com que o filme é conduzido nos leva até uma espécie de sufocamento, acompanhado de uma sensação de que algo irá acontecer ao protagonista, para o bem ou para o mal.

Logo no início, este longa chileno (produzido pelo cineasta Pablo Larraín, diretor de “No” e “Jackie”, entre outros) nos revela que, em sua infância, Memo teve sua voz “emprestada” para uma estrela mirim com aspectos físicos mais bem-aceitos pela indústria. Tudo isso, com o acompanhamento de seu pai que aceitou vender a voz do filho sem nem o consultar antes. Isso gerou diversos impactos na vida de Memo, que nunca mais cantou ou sequer se abriu com alguém, até conhecer Marta (Millaray Lobos). Há abertura e encantamento por ambas as partes, o que desencadeia um encontro com o passado.



Memo é um personagem complexo que exige atenção do espectador. Aquele tipo de pessoa interessante, que mesmo não falando nada, nos prende os olhares. Aliás, o filme como um todo é assim. Exige análise diante das camadas que permeiam os personagens, mesmo os secundários, que proporcionam em sua atuação uma sutileza de gestos e ações que contribuem positivamente para a história. É o caso do tio de Memo (Luis Gnecco), que, mesmo não sendo explícito, nutre uma profunda preocupação e amor pelo sobrinho.

O flerte com o surrealismo contribui com a narrativa do filme e a construção de Memo como um sonhador que, mesmo escolhendo a solidão, não se tornou alguém amargo e nutre, ainda, uma profunda admiração pela música e por cantar, mesmo tendo uma relação de sofrimento com seu passado. Aspecto importante, que colabora para ressaltar os paradoxos construídos em torno das relações do personagem. Quando invade casas de terceiros, ele demonstra que deseja criar uma nova realidade para si, a partir da fantasia, mesmo aceitando e optando por seu esquecimento.

Vencedor do prêmio de Melhor Novo Diretor no Festival de Tribeca 2020, “Ninguém Sabe que Estou Aqui” acaba por se tornar um encontro com verdades, passado e aceitação. Parece estranho falar de encontro e esquecimento na mesma sentença, mas é algo que acontece neste filme. A aceitação do esquecimento de Memo e, ao mesmo tempo, o desejo por se resolver com seu passado são dois sentimentos que permanecem após vermos o longa. Além disso, tamanha é a ruptura causada pela chegada de Marta na vida de Memo, que a última cena celebra exatamente isso: o encontro com o amor. ■

Nota:

NINGUÉM SABE QUE ESTOU AQUI (Nadie Sabe Que Estoy Aquí, 2020, Chile). Direção: Gaspar Antillo; Roteiro: Gaspar Antillo, Josefina Fernández, Enrique Videla; Produção: Pablo Larraín, Juan de Dios Larraín; Fotografia: Sergio Armstrong; Montagem: Soledad Salfate; Com: Jorge García, Millaray Lobos, Luis Gnecco, Alejandro Goic, Gaston Pauls, Eduardo Paxeco; Estúdio/Produtora: Fábula Producciones; Distribuição: Netflix. 91 min