Quincas Berro d’Água

O que mais chama a atenção em “Quincas Berro D’Água” é um contraste, a princípio estranho, de aspectos de uma certa “erudição” – entre aspas – que se encontra na literatura do próprio Jorge Armado, com elementos de uma cultura burlesca fortemente disseminada pela televisão e pelo cinema besteirol. Temos na tela uma linguagem poética que rima com piadas escatológicas.

Se esta é uma característica do texto de Jorge Amado, o diretor e roteirista Sérgio Machado soube transportá-la perfeitamente para o cinema. Contudo, mais do que a virtude da adaptação, o que se deve levar em conta é o significado dessa dissonância para o cinema brasileiro.



Em tempos em que as chamadas “globochanchadas” levam multidões aos cinemas dos shoppings, ao passo em que as salas do circuito dito “alternativo” são reduzidas a números alarmantes, “Quincas Berro D’água” pode ser visto como o meio-termo entre os pólos da produção nacional. As piadas com gases, os palavrões, o humor escrachado, surgem sob uma direção de arte primorosa, a sempre apurada fotografia de Toca Seabra, efeitos especiais bem produzidos e um comando de câmera detalhadamente planejado – obsessão de Sérgio Machado desde seu longa anterior, “Cidade Baixa”.

Esse confronto do “erudito” com o “popular” – aspas novamente – resulta em um filme de ritmo irregular. A soma dos elementos utilizados talvez não faça jus à força que cada um deles, isoladamente, possui. Tome como exemplo o próprio Paulo José, que mesmo interpretando um morto na maior parte do filme, oferece à platéia mais uma das grandes atuações de sua carreira. Podemos pegar também a trilha sonora de Beto Villares, exemplo raro no cinema brasileiro de música pensada para ser também um personagem do filme, e não apenas um acompanhamento da narrativa.

No fim das contas, “Quincas” tem saldo positivo, mas podia ser melhor. É daqueles filmes feitos com apreço, no entanto o que faltou a Sérgio Machado foi colocar mais de sua própria voz no filme, torná-lo mais autêntico. Ser mais autoral, enfim. Mas quando é ao público que se quer agradar ao mesmo tempo, existe sempre o risco de ficar no meio do caminho.

Quincas Berro d’Água (2010, Brasil)
direção: Sérgio Machado; roteiro: Sérgio Machado (baseado no livro de Jorge Amado); fotografia: Toca Seabra; montagem: Márcio Hashimoto; música: Beto Villares; produção: Walter Salles, Maurício Ramos; com: Paulo José, Marieta Severo, Mariana Ximenes, Flávio Bauraqui, Luís Miranda, Irandhir Santos, Frank Menezes, Vladmir Brichta, Walderez de Barros, Milton Gonçalves, Othon Bastos, Carla Ribas, Germano Haiuti, Erico Brás, Angelo Flávio, Maria Menezes; estúdio: VideoFilmes, Globo Filmes; distribuição: Buena Vista. 104 min