“Pinóquio” e a reinterpretação de um clássico

As adaptações em live-action estão cada vez mais comuns e criam novas interpretações de animações clássicas, o que nem sempre dá certo. Mas não é o caso deste “Pinóquio”, produção italiana dirigida por Matteo Garrone (“Gomorra”, “Dogman”) e protagonizada pelo garoto Federico Ielapi (que estreou no cinema na comédia “Funcionário do Mês”, de 2016).

Nesta versão da história criada pelo também italiano escritor Carlo Collodi, em 1883, somos levados a um vilarejo devastado pela pobreza e pela fome, onde conseguimos entender melhor a vida de Gepeto, um marceneiro que, mesmo solitário, possui muita esperança pela vida. Parte desse sentimento se deve à atuação sempre otimista e profunda de Roberto Benigni (“A Vida é Bela”), atuação esta que marca o seu retorno ao cinema após um hiato de oito anos. Vale lembrar, o mesmo Benigni dirigiu (e protagonizou) uma adaptação de “Pinóquio”, em 2002, que foi muito mal recebida.

Os estranhamentos com este novo longa começam com a caracterização e a maquiagem dos personagens animais, como o Grilo Falante, o Gato, a Raposa e a Caracol. O trabalho é muito bem realizado e traz um ar sombrio e um tanto exagerado, fazendo o design das criaturas lembrar o universo de Tim Burton. Porém, mesmo com o possível desconforto que esse visual possa causar, é possível adentrar naquele mundo de imaginação que traz a ideia de um boneco se transformar em um “menino de verdade” — e a textura da maquiagem feita em Ielapi é particularmente eficaz, dando a impressão de que há mesmo madeira na composição de seu rosto.



"Pinóquio" (Pinocchio, 2019), de Matteo Garrone - Divulgação/Imagem Filmes
“Pinóquio” (Pinocchio, 2019), de Matteo Garrone – Divulgação/Imagem Filmes

Mesmo sendo uma reinterpretação, o longa mantém os valores da animação da Disney, de 1941, como a importância de valorizar o estudo e de não mentir, aspectos mais essenciais do que nunca em um mundo com tantas notícias falsas. Além disso, é um filme que traz a inocência dos contos de fada, daqueles que nos teletransportam para nossa infância e criam a esperança de um mundo mais puro, como o olhar do nosso herói.

Mas fica também um alerta para os fãs da animação clássca: o ritmo deste novo “Pinóquio” é bastante lento, o que pode ser incômodo. A montagem é de Marco Spoletini, frequente colaborador de Garrone, e determinados momentos podem gerar cansaço no espectador, devido à pouca ação entre os atos. Por outro lado, o longa chama a atenção pela fotografia de Nicolai Brüel (que trabalhou com Garrone em “Dogman”), que faz bom proveito da luz em suas várias nuances, principalmente nas cenas da Fada Azul (interpretada pela francesa Marine Vacth, de “Jovem e Bela” e “O Amante Duplo”). A trilha sonora também é uma marca importante, assinada por Dario Marianelli (vencedor do Oscar por “Desejo e Reparação”). A música torna o longa mais intimista e acolhedor, contrastando com as dificuldades vividas por Pinóquio durante sua jornada.

“Pinóquio” deixa uma divisão de sentimentos entre a nostalgia de revisitar um clássico da infância e a construção de um novo ponto de vista para narrar a história do personagem no cinema. Um ponto de vista mais consciente, mais duro e mais triste. Uma realidade que, infelizmente, era mais comum na época em que Carlo Colodi escreveu a história original e que, muitas vezes, é esquecida a fim de amenizar um conto infantil. ■

Nota:

PINÓQUIO (Pinocchio, 2019, Itália). Direção: Matteo Garrone; Roteiro: Matteo Garrone, Massimo Ceccherini (baseado no livro de Carlo Collodi); Produção: Matteo Garrone, Paolo Del Brocco, Anne-Laure Labadie, Jean Labadie, Jeremy Thomas; Fotografia: Nicolai Brüel; Montagem: Marco Spoletini; Música: Dario Marianelli; Com: Federico Ielapi, Roberto Benigni, Rocco Papaleo, Massimo Ceccherini, Marine Vacth, Davide Marotta; Estúdio/Produtora: Archimede, Rai Cinema, Le Pacte, RPC; Distribuição: Imagem Filmes. 125 min