Maior do que parece

Ao fim da sessão de imprensa de “A Vila” ontem, a representante da Buena Vista me entregou uma carta da distribuidora endereçada aos jornalistas. No comunicado, um pedido: “Não revele informações importantes sobre o final do filme, sua trama ou enredo ao redigir a resenha”. A preocupação é que o público não tenha uma experiência completa no cinema se souber elementos-chave da história de antemão. Claro, assistir a um filme de M. Night Shyamalan sabendo o que vai acontecer é a mesma coisa que abrir um presente que você já sabe o que é – perde boa parte da graça. Mas, em “A Vila”, senti que as ditas surpresas são o de menos para se apreciar o que o diretor nos oferece.

Acredito que o que tem deixado a maior parte do público decepcionada é o fato de os espectadores estarem ansiosos por revelações a la “O Sexto Sentido”, algo que não acontece aqui. Pelo contrário, o que me parece é que Shyamalan aplica, justamente, uma antítese a essa fórmula a qual seu cinema ficou condicionado. É como se ele quisesse que você descobrisse logo de cara do que se trata o “segredo” da trama para prestar mais atenção no que ele tem a dizer. Afinal, é nisso que essas reviravoltas se transformaram: na atração principal, desviando o olhar do público do que o diretor realmente quer mostrar.



E o que Shyamalan quer nos mostrar com “A Vila”? Que aquela comunidade, assim como nossa sociedade, é governada pelo medo. Vejamos: alguns personagens do filme dizem que, antes de se mudarem para o vilarejo, moravam na cidade e, de uma forma ou de outra, foram vítimas da violência. Não é isso o que qualquer cidadão urbano vivencia todos os dias? Não estamos à mercê de marginais, maníacos e psicopatas nas cidades, sendo que nem mesmo dentro de nossas próprias casas podemos viver mais em absoluta segurança? Sim, o filme tem um paralelo com o mundo de hoje. Comece a pensar por aí.

Mais: os conselheiros e os habitantes experientes da Vila instituíram uma ordem que proíbe qualquer morador de atravessar os limites da floresta, dizendo que “nós não os incomodamos, eles não nos incomodam” – este é o trato firmado entre eles e as “criaturas”, “Aquelas-de-Quem-Não-Falamos”. Especialmente, os jovens são os mais amedrontados por um possível ataque desses seres. É impressão minha ou Shyamalan se refere com isso ao que hoje se chama de “cultura do medo”, aquela paranóia que a imprensa espalha entre nós, tornando-nos cada vez mais temerosos quanto ao que acontece a nossa volta? Já vimos isso aqui no Brasil, quando a Rede Globo sujou a imagem do Rio de Janeiro por motivos políticos, piorando em seus noticiários a situação da criminalidade na cidade. E se quisermos pegar um exemplo mais recente, basta ver o que George W. Bush e seus assessores apregoam nos Estados Unidos, deixando a população em estado de alerta iminente (algo que Michael Moore retrata bem em “Tiros em Columbine” e “Fahrenheit 11 de Setembro”).

Como pretendo colaborar com a distribuidora e não revelar nada de muito importante sobre a trama, digo apenas que prestem atenção num dos momentos finais de “A Vila”, exatamente na cena em que Shyamalan faz sua habitual ponta. É a participação mais efetiva do diretor em seus filmes, porque aqui ela tem um significado: comprova que tudo isto acima é mesmo intenção do diretor. Não digo isso para parecer que “Oh! Entendi tudo, sou um gênio!”, mas ficou muito claro para mim nesta cena o que Shyamalan quer dizer. Fiz uma leitura que o filme possibilitou. E, felizmente, me dei por satisfeito com a interpretação que dela se derivou.

Estou certo de que serei um dos poucos a defender este novo trabalho de Shyamalan. Aposto que a maioria que for despreparada para os cinemas vai se decepcionar. Não os culpo, pois imagino onde o longa pode desagradar, principalmente para aqueles que esperam pelo “novo filme do diretor de ‘O Sexto Sentido’”. É o mesmo caso que aconteceu com “Corpo Fechado”. O público pagou por uma coisa e viu outra. Mas não digo que “A Vila” é um dos melhores filmes do cineasta, coloco-o até mesmo abaixo de “Sinais” porque possui alguns elementos que incomodam, como um certo excesso de sentimentalismo e, ainda, uma insistência do diretor em pregar peças na platéia (que não funcionam).

Talvez, “A Vila” se torne o trabalho mais incompreendido de Shyamalan. Mas não tenho dúvidas que ele merece ser visto com mais cuidado e percepção do que apenas nos sentarmos na poltrona e esperarmos pelos sustos e reviravoltas com os quais o próprio diretor nos acostumou. É um filme que se você assistir disposto a compreendê-lo, verá que possui bem mais o que se discutir do que a aura do cinema escapista consegue oferecer.