Pan-Cinema Permanente

Tomando emprestado o título de um poema escrito pelo próprio Waly Salomão, objeto de estudo deste documentário, no qual ele versa sobre a preponderância da ficção na vida, “Pan-Cinema Permanente” é uma mistura de homenagem, biografia e manifesto. Carlos Nader, ensaísta audiovisual mais conhecido por seus premiados vídeos, estréia na direção de um longa e surpreende aqueles que podem esperar por uma obra que penda mais para o lado da videoarte do que do cinema de fato.

O doc une o retrato de um personagem muito interessante e a forma com que sua história e seus pensamentos são representados, misturando depoimentos e trechos de seus trabalhos – da poesia à música, com direito a uma palhinha da maravilhosa “Vapor Barato”, na voz de Gal Costa.



As cenas que compreendem imagens de Waly diante da câmera, recitando ou proclamando seus versos ou desabafos, são de uma força estupenda. Ele é um artista que se impõe pela palavra e que tentou uni-las ao uso do vídeo como nova forma de manifestação artística. Nader, que era amigo próximo de Waly, ajudou o poeta baiano nesse intento. O filme, portanto, foi moldado ao longo de 15 anos, durante os quais Nader gravou Waly falando diretamente para câmera, ou como se fizesse parte de poemas-visuais, ou ainda em suas passagens por debates ou programas de TV.

O que existe de mais fascinante em “Pan-Cinema Permanente” são justamente esses momentos capturados de Waly. Se para ele, a vida era uma grande teatralização, uma grande ficção, então bastaria filmar seu dia-a-dia para se ter um filme. Mas sabemos que não é bem assim. Waly criou um personagem que surgia toda vez que percebia a presença de uma câmera. Ele se transformava, ainda que o improviso e a provocação fizessem parte de seu espírito.

Nesse jogo de cena proposto pelo protagonista, estabelece-se uma dinâmica entre diretor e personagem, quase como uma perseguição, na qual Nader tenta mostrar um Waly puro, que não esteja representando. Mas como o diretor mesmo diz, o poeta sempre lhe escapa por entre os dedos (exceto por um breve momento, gravado sem que ele soubesse, que é quase uma redenção do cineasta).

É na montagem, etapa principal do artesanato cinematográfico, que nasce o filme. E com tanto material em mãos, o principal trabalho de Nader foi dar forma a um longa que se redefiniu até o último momento: a morte de Waly, em 2003. Com momentos divertidos, provenientes de cenas como a visita de Waly a Síria, e também emotivos, derivados da participação dos filhos do poeta e do próprio Nader, “Pan-Cinema Permanente” é um justo retrato de um artista que faz imensa falta, numa época em que a poesia parece ser cada vez mais algo que ficou no passado. Waly foi um verdadeiro guerreiro, alguém que não acreditou no fim do sonho e que tentou transformar sua arte pelos novos meios tecnológicos dos quais dispunha. Felizmente, unindo cinema e videoarte, Nader conseguiu criar um filme que, mesmo sem abrir mão de algumas abstrações, mantém-se com os pés bem firmes no chão em seu propósito.

nota: 7/10 — vale o ingresso

Pan-Cinema Permanente (2008, Brasil)
direção: Carlos Nader; com depoimentos de: Waly Salomão, Antonio Cícero, Caetano Veloso, Adriana Calcanhoto, Carlos Nader; produção: Flávio Botelho; fotografia: Carlos Nader; montagem: Carlos Nader; música: Daniel Zimmerman; estúdio: Já Filmes. 83 min