A Troca

Por mais estranho que isso soe, em “A Troca”, Clint Eastwood faz uma mistura de “Sobre Meninos e Lobos” com “A Conquista da Honra”. Do primeiro, ele pega a trama policial que se desenvolve de forma assustadora a cada porção do enredo que é oferecida ao espectador. Do último, Eastwood reaproveita a temática do uso da imprensa pelo alto poder para passar uma imagem que não condiz com a realidade. O problema é que o resultado dessa combinação não chega a ser metade tão bom quanto os dois filmes isolados.

As diferenças são que no lugar do pai desesperado pelo assassinato da filha adolescente de “Sobre Meninos e Lobos”, em “A Troca” há a mãe que perde o filho criança em um aparentemente inexplicável caso de desaparecimento. E no lugar do exército que quer se vangloriar da bravura de seus soldados, aqui é o departamento de polícia de Los Angeles que tenta camuflar sua incompetência ao forjar o resgate do garoto.



Com sua habitual destreza na filmagem, Eastwood já coloca o espectador no clima que pretende antes mesmo de o filme iniciar, quando a logo da Universal surge em seu formato antigo dos anos 30 e a primeira cena começa em preto-e-branco, tomando cor (ainda que pálida) aos poucos. A história real que o cineasta nos conta desta vez se passa em 1928 e se estende até a metade da década seguinte.

A narrativa tem seu ritmo épico pontuado basicamente por três partes. Inicia com certo tom melodramático, onde o destaque é a atuação de Angelina Jolie (que está muito bem e convence em seu choro de mãe incrédula na situação que lhe acomete). Em seguida, surge algo como um thriller policial, possivelmente onde Eastwood acerta mais a mão. Por fim, recorre-se ao drama de tribunal para que todos os pingos sejam colocados nos “is”.

Mas algumas coisas parecem fora do lugar e “A Troca” acaba se tornando o menor Eastwood dos últimos cinco anos. O que mais incomoda é a caracterização dos personagens, estranhamente unilateral. Basicamente, funciona assim: tudo o que o capitão da polícia Jones (Jeffrey Donovan) diz está errado e tudo o que o reverendo Briegleb (John Malkovich) diz é o certo. Da mesma forma, Christine Collins (Jolie) é pega para Cristo e passa o filme sendo física e psicologicamente torturada – sendo o auge, que testa os limites da personagem e da platéia, atingido em dispensáveis cenas dentro de uma instituição psquiátrica, onde os funcionários são caricaturas (por sinal, algo que Eastwood já havia feito com a família de Hilary Swank em “Menina de Ouro”). Mas, claro, o troco por todo o sofrimento é dado e o desejo de justiça incutido na mente do público durante a projeção é satisfeito em um espetacularizado confronto final, em que a redenção descansa no sorriso contido nos lábios carnudos da moça.

Não irei desmerecer o trabalho de Eastwood por ser manipulativo, já que tantos outros filmes que adoro também o são. É o maniqueísmo que permeia o roteiro de J. Michael Straczynski que impede que “A Troca” seja verdadeiramente um filme de Clint Eastwood. Afinal, este era para ser um filme de Ron Howard antes de tudo. Portanto, apesar dos pesares, Eastwood ainda pode ser considerado um herói por salvar um provável fracasso.

nota: 6/10 — veja sem pressa

A Troca (Changeling, 2008, EUA)
direção: Clint Eastwood; com: Angelina Jolie, Gattlin Griffith, John Malkovich, Colm Feore, Devon Conti, Jeffrey Donovan, Jason Butler Harner, Eddie Alderson; roteiro: J. Michael Straczynski; produção: Clint Eastwood, Brian Grazer, Ron Howard, Robert Lorenz; fotografia: Tom Stern; montagem: Joel Cox, Gary Roach; música: Clint Eastwood; estúdio: Imagine Entertainment, Malpaso Productions, Relativity Media; distribuição: Universal Pictures. 141 min