Foto: Globo Filmes/Divulgação

“Besouro”: um super-herói para chamarmos de nosso

Se o cinema é o espelho de seu país, como já dizia o cineasta Guilherme de Almeida Prado, “Besouro” reflete muito bem o momento que a nossa produção audiovisual atravessa. Na tentativa de conseguir público para os filmes nacionais na base do vale-tudo, com produções de apelo popular e comercial cada vez mais duvidoso, o filme de João Daniel Tikhomiroff é a tentativa brasileira de fazer um filme de super-herói – subgênero do cinema de ação e fantasia que se firmou, nesta década, como uma das principais fontes de renda de Hollywood.

Por aqui, enquanto a fórmula para se manter no topo das bilheterias ainda é estudada, “Besouro” surge como um autêntico representante do filme brasileiro desejoso pela pegada comercial, sem com isso deixar a temática social de lado. E ainda conta com o diferencial de ter um apelo popular positivo – afinal, já passou da hora de desfazermos essa noção de que popular é sinônimo de má qualidade.

O molde de “Besouro” e das histórias de personagens da Marvel ou da DC Comics é o mesmo: é uma história de origem, na qual o protagonista vive um episódio marcante que faz com que ele receba super-poderes. O herói, então, precisará derrotar seu arqui-inimigo e, no caminho, encontrará seu par romântico, se surpreenderá com o amigo que se volta contra ele, além, claro, de contar com o mentor morto que irá aconselhá-lo em sua jornada.



Plágio de Homem-Aranha? Cópia de Superman? Essa discussão é inútil, pois sabemos que o modelo existe e vem sendo readaptado faz tempo. O que importa é o que está dentro da forma e, quebrado o gesso, “Besouro” toma um corpo que não havíamos visto até então no cinema nacional.

Adotando como mitologia elementos do candomblé e da capoeira, e tendo como pano de fundo o resíduo da escravatura no Recôncavo Baiano dos anos 20 (o recorte de época para aí, já que o racismo, lamentavelmente, não se torna um tema datado), o filme nos apresenta a um personagem que acaba por conseguir vencer a batalha de ser original.

É claro que algumas arestas da história poderiam ter sido mais bem aparadas, mas o resultado não deve nada ao que oferecem muitos desses blockbusters que chegam ao país. E o mesmo vale para as cenas de ação, com lutas muito bem feitas (graças à mão de obra estrangeira do chinês Dee Dee, que trabalhou em “Kill Bill”, “Matrix” e “O Tigre e o Dragão”) e efeitos especiais que, se não são perfeccionistas, tornam-se mais verossímeis justamente por não recorrerem aos zilhões de dólares e de pixels que a era do CGI impõe à indústria.

“Besouro” aponta um caminho viável para termos um cinema para massas feito com capricho e competência técnica, que é popular sem insultar a inteligência do espectador. É um filme do qual devemos ter orgulho. E dada a deixa no fim, não custa nada pedirmos por uma continuação. Será muito bem-vinda. ■

“Besouro” está disponível no Google Play, Vivo Play, iTunes, Net Now e Netflix.

Besouro (2009, Brasil)
direção: João Daniel Tikhomiroff; roteiro: Patrícia Andrade; fotografia: Enrique Chediak; montagem: Gustavo Giani; música: Rica Amabis; produção: Vicente Amorim; com: Ailton Carmo, Jessica Barbosa, Anderson Santos de Jesus, Flavio Rocha, Irandhir Santos, Servílio de Holanda, Sérgio Laurentino, Nilton Junior, Leno Sacramento, Chris Vianna, Mestre Alípio, Adriana Alves, Geisa Costa; estúdio: Mixer, Miravista, Globo Filmes, Teleimage, Lereby; distribuição: Buena Vista International. 95 min