O Escritor Fantasma

Assistir a um novo filme de Roman Polanski é um privilégio. Não apenas por se tratar de um cineasta renomado e dono de uma obra repleta de filmes hoje já considerados clássicos, e também não somente pelo fato de este seu último trabalho quase ter sido comprometido por problemas que, todos sabem, marcaram a vida pessoal do diretor. O privilégio é muito mais por termos a oportunidade de ver um grande autor em plena atividade. Muitas vezes, quando estamos diante de filmes de cineastas jovens ou da geração que começou a carreira nos anos 70, nos pegamos garimpando referências usadas sob a motivação de se fazer uma homenagem, um resgate ou mesmo um pastiche. Com Polanski, não: seu cinema é a referência.

Sim, Polanski faz homenagens e busca referências em mestres da geração anterior à sua. Mas quando assistimos a um filme como “O Escritor Fantasma” é reconfortante não sentirmos que cena tal foi inspirada pela admiração que Polanski possa ter por Jean Renoir ou que o filme como um todo é inspirado em Alfred Hitchcock. Ainda que, inegavelmente, a sombra de Hitchcock paire sobre o filme, ao longo da projeção a referência maior que se tem é o próprio cinema de Polanski e o longa nos remete a filmes como “Chinatown” e “Busca Frenética”, onde ele também exercita a construção de uma narrativa extremamente tensa e misteriosa.



Tal como Jack Nicholson e Harrison Ford naqueles filmes, o personagem de Ewan McGregor aqui se vê dentro de uma espiral. Começa a história com uma questão que aparentemente pode ser resolvida, mas cuja resposta está longe, senão impossível de ser alcançada. No desenvolvimento da trama, a insegurança cresce e somos deixados tão inconscientes quanto o protagonista a respeito do mundo em que ele adentra e no qual se perde. Narrar pelo ponto de vista do personagem principal é um aspecto recorrente dos filmes de Polanski e de vital importância para criar o laço com o espectador.

É a forma dada à narrativa que provém o ritmo e a atmosfera envolventes. Polanski é da velha escola, ele se preocupa em arranjar cada plano ciente de que a simplicidade de uma panorâmica ou de um travelling muitas vezes basta para dizer tudo o que uma cena pede. Já em outros momentos, simplesmente parar a câmera e não mostrar algo é uma decisão ainda mais importante – e é claro que Polanski sabe disso.

Tão bom quanto ver um cineasta com essa bagagem trabalhar com tamanho vigor é notar que ele não se deixa ficar datado ou ranzinza. Assinando o roteiro ao lado do escritor Robert Harris, autor do livro em que o filme é inspirado, Polanski se delicia em cima das especulações contemporâneas que rondam a “guerra ao terrorismo” e o envolvimento de figurões da política com crimes de tortura, interesses econômicos e espionagem. Até mesmo a tecnologia atual é bem assimilada pelo cineasta, com ferramentas como o Google e um navegador GPS exercendo funções narrativas essenciais.

Não é ótimo podermos ver um novo filme de um grande cineasta como Polanski ser lançado nos cinemas? Que as futuras gerações nos invejem, tal como invejamos aqueles que puderam ver os mestres dos nossos mestres em ação.

O Escritor Fantasma (The Ghost Writer, 2010, Reino Unido/França/Alemanha)
direção: Roman Polanski; roteiro: Roman Polanski, Robert Harris (baseado no livro de Robert Harris); fotografia: Pawel Edelman; montagem: Hervé de Luze; música: Alexandre Desplat; produção: Robert Benmussa, Roman Polanski, Alain Sarde; com: Ewan McGregor, Pierce Brosnan, Olivia Williams, Kim Cattrall, Tom Wilkinson, Jon Bernthal, James Belushi, Timothy Hutton, Eli Wallach; estúdio: R.P. Films, France 2 Cinéma, Elfte Babelsberg Film, Runteam; distribuição: Paris Filmes. 128 min