Transformers

Eu não sei exatamente o porquê, mas existe algo em filmes como “Transformers” que me faz gritar: “Uau! Do ca*****!”

Cenas de carros se chocando contra outros e capotando em alta velocidade, acompanhadas pelo magnífico som da pancada. Tiros que percorrem a tela, o barulho das metralhadoras cuspindo. Demolições. Gritos. É um verdadeiro apetite por destruição!



Todos são elementos encontrados em filmes de ação, e são sempre certos naqueles dirigidos por Michael Bay. O efeito “Uau!” talvez não passe mesmo de “coisa de menino”, mas é mais do que adequado a um longa como este, baseado em uma linha de brinquedos que fez (e ainda faz) tanto sucesso entre garotos. Carros que se transformam em robôs: que criança não fica louca com isso? E que marmanjo não gostaria de vê-los saindo no tapa no meio de prédios na telona? Afinal, se existem os “chick flicks”, também existem os “macho movies”. Não que isto seja significado de qualidade, muito pelo contrário. Mas estes filmes geralmente oferecem um guilty pleasure característico.

Falhas evidentes estão espalhadas por “Transformers”, mas as cenas de ação são ótimas. Lembra “Doom – A Porta do Inferno”, a adaptação do famoso videogame, que ficou muito ruim, mas na única cena em que funciona (o plano-seqüência em primeira pessoa), faz você vibrar na cadeira. Assim são os combates entre Autobots e Decepticons. Se eu rever o filme, será apenas por causa das cenas de batalha, que não só mostram a eficiência habitual da Industrial Light & Magic na criação dos efeitos digitais (meus favoritos para o Oscar 2008 até agora), como também fazem você soltar um “Uau!” a cada vez em que surgem aquelas cenas sem cortes com os carros se transformando em robôs em pleno “pega” numa auto-estrada a toda velocidade.

É claro que só isto não faz um filme e “Transformers” é falho principalmente porque o roteiro de Roberto Orci e Alex Kurtzman possui problemas graves. Fora os clichês que se espera do gênero, não há espaço para o desenvolvimento dos personagens, todos unidimensionais. O “núcleo humano” sofre de todo tipo de estereótipo: é o jovem comum que se torna herói (Shia LaBeouf), é a menina gostosa da escola por quem ele se apaixona (Megan Fox), é o soldado de bom coração que quer reencontrar a família (Josh Duhamel), é o secretário de defesa que não sabe o que se passa debaixo do solo do próprio país (John Voight), e por aí vai. Como se não bastasse, Orci e Kurtzman ainda perderam tempo criando um grupo de hackers, do qual Anthony Anderson (o eterno alívio cômico) faz parte, tornando-se a figura mais irritante do elenco. Personagens demais aparecem ao longo do filme. Os roteiristas poderiam ter diminuído o número e trabalhado apenas em cima daqueles que realmente importam.

No “núcleo robótico”, o problema é que não chegamos a conhecer os Transformers mais de perto. Optimus Prime (dublado por Peter Cullen, da animação da TV) nos apresenta a seus companheiros em uma cena, mas fica nisso. Cada um dos Autobots tem uma função, mas não os vemos as desempenhando, a não ser por breves momentos quando já não há muito tempo de filme restando. O que os roteiristas não souberam fazer foi mostrar os Autobots como um grupo de super-heróis. Talvez isto seja explorado em um segundo filme, mas, neste, eles são os “outsiders”, os alienígenas que invadiram o nosso mundo. Mesmo que os humanos se juntem a eles para enfrentar os Decepticons, nós apenas os observamos, sem nos envolvermos. Desta forma, fica difícil para o espectador criar uma identificação ou mesmo escolher seu “personagem favorito”, já que apenas Optimus e Bumblebee ganham atenção. Assim, quando um determinado robô é ferido em batalha, você sequer se importa com sua possível perda. São robôs, claro. Mas as pessoas na platéia, não.

Por outro lado, Orci e Kurtzman acertam ao resgatar aquela ingenuidade típica dos blockbusters dos anos 80, tanto nos diálogos quanto nas gags físicas. E também na própria trama, que dificilmente seria concebida sob o cinismo e a obscuridade que pairam sobre as produções de hoje em dia. Os roteiristas não atualizaram a história: apenas a avançaram no tempo e acrescentaram a tecnologia atual. Os próprios robôs parecem ter vindo daquela década, o que é bacana, pois mantém o espírito da época em que foram criados. Porém, embora o gosto musical de Bumblebee seja uma ótima sacada, os discursos de Optimus e as ameaças de Megatron não poderiam ser mais datados. O protagonista também é a junção de típicos arquétipos oitentistas: o menino que se afeiçoa por um extraterrestre e que tem nas mãos a chave para salvar o mundo. Em resumo, o longa revive as coisas boas dos filmes-pipoca da infância de muita gente, mas também traz de volta as coisas ruins, salientadas pela direção de Michael Bay.

Bay é um diretor dos anos 90, mas é brega como os piores da década anterior. Ele injeta adrenalina em todos os seus trabalhos, sem dúvidas. A experiência de assistir aos seus filmes é a de uma taquicardia de duas horas de duração. Mas todos os cortes rápidos e a fotografia quente e contrastada que fazem seu estilo são apenas maquiagem para esconder seu fraco senso de composição. Sem falar que ele faz de “Transformers” um filme tão, mas tão barulhento, que você pode entrar no cinema despreocupado com a conversa alheia nas poltronas vizinhas, simplesmente porque as explosões, a música alta, os diálogos incessantes e os gritos não deixarão você ouvi-la. Logo depois da sessão, seria bom entrar em uma sala de isolamento acústico para ficar no silêncio por um tempo.

Outra característica de Bay é que ele não esconde sua paixão pelas Forças Armadas. O diretor deixa isto claro já nas seqüências iniciais, quando usa a trilha sonora para enaltecer a chegada de uma esquadrilha de helicópteros a uma base militar, com direito àquela clássica tomada em que o Sol aparece como uma bola de fogo atrás da silhueta de uma aeronave. São os “pombos brancos” de Bay – que ainda demonstra um excesso de confiança no próprio taco quando, em uma cena na qual várias explosões acontecem em uma rua, faz um personagem gritar: “Isto é muito melhor do que ‘Armageddon’!”

A idolatria bélica de “Transformers”, no entanto, não transmite necessariamente aquela mensagem ufanista escalafobética costumaz em blockbusters apocalípticos, já que, ao longo do filme, os roteiristas dão alguns cutucões no atual governo. O clássico personagem do Presidente Americano, por exemplo, só aparece uma vez e vemos apenas seus pés, vestidos com meias de lã vermelhas, enquanto ele está deitado a bordo do Força Aérea Um e pede um bolinho à aeromoça (repare que o tom de sua voz é uma clara referência a George W. Bush). Mesmo assim, é comum ouvirmos os militares do filme se referindo aos Decepticons como “os inimigos” que eles têm que “caçar e destruir”, além de apontarem constantemente a Coréia do Norte, o Irã e os Russos (quer coisa mais anos 80?) como os principais suspeitos dos ataques. Com isso, cai por terra qualquer senso crítico que poderia estar sendo ensaiado contra a invasão do Iraque – uma tentativa que se torna bastante óbvia quando vemos um robô-escorpião sair das areias do Qatar para atacar soldados americanos (então, foi Osama bin Laden ou Saddam Hussein que saiu do buraco para organizar a vinda dos Decepticons?).

Meu temor inicial em relação a “Transformers” era ver o filme da mesma forma como se observa um menino com seus brinquedos favoritos, sem ser chamado para brincar com ele. No fundo, a sensação é um pouco esta, já que você não se envolve com a história. Mas devo apertar a mão de Bay, porque, apesar de se comportar como um garoto grandalhão e desajeitado, ele demonstra uma imaginação invejável enquanto se diverte. Me fez ter vontade de tirar os meus antigos Transformers do baú e brincar novamente.

nota: 6/10 — vale o ingresso

Transformers (2007, EUA), dir.: Michael Bay – em cartaz nos cinemas