O Ultimato Bourne

O que faz de Jason Bourne um personagem tão fascinante é o fato de ele ser um herói de ação tão pé no chão quanto o John McClane do primeiro “Duro de Matar” (sim, só do primeiro, pois nos filmes seguintes ele se tornou uma caricatura de si mesmo). Ao invés de usar supercomputadores, superarmas e supercarros, Bourne faz uma busca no Google, usa uma caneta Bic como faca e entra em uma perseguição alucinante dirigindo um táxi.

Como nos permite acreditar que ele é um ser humano de verdade, o espião sem memória – criado pelo escritor Robert Ludlum e interpretado com eficácia nas telas por Matt Damon – constrói facilmente uma identificação com o público. E o que existe de mais curioso nessa relação é que a busca de Bourne por sua verdadeira indentidade pode ser lida como uma busca da própria platéia. Afinal, será que somente ele é manipulado? Nós também não deveríamos parar de seguir o que nos é dito e questionar o porquê dos nossos atos?



Caso essa leitura seja feita, a revelação da origem de Bourne e a razão de ele ter se tornado um agente desvenda também uma verdade sobre nós mesmos. Este é um posicionamento que se pode esperar do diretor Paul Greengrass, cujos filmes sempre tratam da atitude do espectador, como cidadão, diante de circustâncias de caráter político (basta lembrar de “Domingo Sangrento” e “Vôo United 93”). Se você quiser fazer uma relação entre o programa Treadstone/Blackbriar e a Guerra do Iraque, sinta-se à vontade. E mesmo que não faça, será difícil não refletir sobre a admirável cena em que Bourne pergunta para um dos agentes que o perseguem: “Você ao menos sabe por que tem que me matar?”

De certo modo, a história de Bourne também pode ser vista como a história do monstro de Frankenstein: ele foi construído por um cientista louco (no caso, a CIA) e deixado à deriva no mundo; agora, quer recobrar sua consciência e entender quem ele é. Nesse sentido, os três filmes da série mostram que a criação acaba por se tornar maior que o criador: no primeiro, Bourne era mais uma vítima do que qualquer outra coisa; no segundo, ele consegue ficar quite; já no terceiro, a agência é que se torna sua presa – o que fica evidente na constante frustração do personagem de David Strathairn quando nenhuma de suas estratégias é capaz de parar Bourne (que, como se não bastasse, ainda ganha aliados).

Cada tentativa de deter o protagonista é acompanhada por impressivas cenas de briga (o confronto mano a mano com Desh em um apartamento no Tânger é digno de liderar qualquer listinha de melhores lutas do cinema), que quase sempre concluem uma grande, elaborada e frenética perseguição de carro, de moto ou a pé. E como é bom ver que, depois de sair no pau com seus inimigos, Bourne não só sangra, como também sua (quantas vezes vemos suor escorrendo e pingando do rosto dos atores em filmes de ação?).

Se você assistiu a “A Supremacia Bourne”, sabe que, mais que a câmera tremida, a montagem das cenas de ação de Paul Greengrass é desnorteante. Aqui, ela é tão ou mais desatinada, mas, a bem da verdade, o filme não se torna incompreensível por isso. Muita gente critica Michael Bay e outros diretores por usarem cortes muito rápidos e não permitirem que o espectador compreenda o que acontece na tela. Pois bem, Greengrass mostra que o problema não é a velocidade (há seqüências neste filme muito mais rápidas que os momentos mais intensos de “Transformers”). O que importa é a coerência na ordem das tomadas. É perfeitamente entendível, por exemplo, a cena em que Bourne corre por cima de um telhado, se apóia em um parapeito e pula para a janela do prédio vizinho. Os cortes são rapidíssimos, mas as tomadas estão ordenadas de uma forma que permite compreender todos os movimentos do personagem naquele momento.

“O Ultimato Bourne” dá as respostas para perguntas que vinham desde o primeiro filme. Ao contrário de outras continuações que prometeram esclarecer dúvidas (“Star Wars”, “Matrix”), esta não decepciona. Sem falar que Greengrass e o roteirista Tony Gilroy subvertem o próprio conceito de continuação de uma maneira genial (se você ainda não assistiu, sugiro apenas que tenha em mente a cena final de “A Supremacia Bourne” quando for ao cinema).

Para encerrar a trilogia sem deixar arestas, Greengrass ainda faz uma elegante homenagem a Doug Liman (o competente diretor do filme de 2002 e produtor executivo dos dois seguintes) com um elegante plano contra-plongée que rima com a cena de abertura da série.

Se haverá mais aventuras para Bourne, só o tempo e os executivos do estúdio dirão. Greengrass mostra que não é cético quanto a isso. Mas, particurlamente, torço para que cheguem à conclusão de que é melhor parar enquanto se está por cima – no caso de “Bourne”, bem acima dos demais.

nota: 10/10 — veja no cinema e compre o DVD

O Ultimato Bourne (The Bourne Ultimatum, 2007, EUA), dir.: Paul Greengrass – em cartaz nos cinemas.