Solidão e Fé

Este ano, a Mostra de Cinema de Tirantes chegou a sua 14ª edição. São nove dias de evento, mas só pude acompanhar dois, no fim de semana de 22 e 23 de janeiro. Como sempre acontece com quem vai ao evento é preciso fazer escolhas. Desta vez, deixei de lado as produções mais badaladas e acabei vendo filmes mais difíceis de encontrar nas salas comerciais, os curtas e os documentários.

Neste pouco tempo, não cheguei a ver muita coisa, mas algumas produções me chamaram atenção. Entre elas os curtas documentários “Uma Noite em 68” e “A Musa da Minha Rua”. O primeiro, realizado por Ionaldo Araújo com um orçamento de R$ 200, revive uma noite no 3º Festival Internacional da Canção em que o público se decepcionou com a vitória da música “Sabiá”, de Chico Buarque e Tom Jobim, pois tinham como preferida “Pra Não Dizer que Não Falei das Flores”, de Geraldo Vandré. Com recursos extremamente limitados, Ionaldo consegue nos emocionar ao projetar na tela a escuridão acompanhada da apresentação de Vandré e um coral de infinitas vozes.



Já “A Musa da Minha Rua”, dirigido por Adolfo Lachtermacher, conta a história da atriz dos tempos da pornochanchada Sandra Barsotti. Sempre associando de forma divertida a vida da atriz com a de suas personagens, o diretor aproveita para discutir um pouco a contribuição dessas produções da década de 1970 para o cinema e a televisão, e o preconceito que ainda ronda o estilo. Em uma das melhores passagens do curta, Sandra afirma que os atores da pornochanchada escaparam ilesos e seguiram com suas carreiras, enquanto as mulheres ficaram com uma “má fama”. Segundo ela, apenas Xuxa, que comprou as cópias de seu filme (“Amor Estranho Amor”) para tirá-lo de circulação, conseguiu manter o sucesso.

Porém, de tudo que vi o que mais me surpreendeu foi um longa-metragem documentário que só vi graças a um feliz engano. Pretendia ver “Malu de Bicicleta” e “VIPs” na sequência, mas confundi os locais de exibição e acabei vendo “Solidão e Fé”, documentário que, alguns dias antes, enquanto lia a sinopse, fiz cara feia por tratar de algo que sempre me causou certa repulsa: rodeios.

Surpreendentemente, me deparei com um filme dirigido por Tatiana Lohmann que chama atenção por sua honestidade e motivação em adentrar e compreender o universo dos rodeios e a cultura sertaneja na qual eles estão inseridos. Para mim, nada explica isso melhor do que a seguinte frase de Tatiana: “Uma mulher, num mundo de homens, com regras de homens”. É isso que a diretora faz que diferencia seu trabalho da maioria dos documentários feitos no Brasil. Ela não apenas filma e participa, também compartilha com o espectador suas dúvidas, angústias e motivações durante o processo.

Em vários momentos, quando expõe seus preconceitos e sua incapacidade de compreender alguns elementos daquela cultura, Tatiana parecia ler minha mente. Um tratamento muito sensível e que, em algumas situações, faz parecer que aquilo é ficção e que se aproxima a hora em que veremos o final feliz, com a consagração de alguns dos peões que a cineasta acompanha. Mas logo a realidade nos bate na face e ouvimos frases que soam com uma naturalidade brutal, como o ex-peão que diz: “Matar o primeiro é que é difícil, depois disso fica fácil” (não sei se são exatamente essas as palavras, mas é assim que me lembro delas).

“Solidão é Fé” também acerta em vários elementos técnicos como a escolha dos ângulos de filmagens, momentos escolhidos para usar câmera estática ou com movimento, ou os depoimentos selecionados na montagem. Apenas o áudio deixa um pouco a desejar. Com voz suave, a narração da diretora em alguns momentos é engolida pela música de fundo, o que torna difícil compreender suas palavras. Porém, é um problema muito pequeno (e que pode estar relacionado à projeção na mostra) diante da obra honesta e verdadeira, que em momento algum tenta vangloriar ou condenar a imagem dos peões de rodeios, se contentando em ser uma tentativa de compreender uma cultura tão distante e curiosa para a maioria de nós. Se Tatiana consegue a compreensão que pretendia, só ela pode dizer, mas o resultado que apresenta na tela é mais que satisfatório.