Passe Livre

Nós, homens, podemos ser fortes e musculosos, magros ou barrigudos, carecas, inteligentes e corajosos, nadar em dinheiro ou viver atolados em dívidas. Podemos ser qualquer coisa, mas, no fundo, no fundo, mesmo no auge da idade, não deixamos de ser garotões desajeitados à procura da aprovação das mulheres. E por mais que sejamos guiados pelo instinto de macho reprodutor a desejar mulheres belas e gostosas, só há duas que irão cuidar desses meninões, tolerar suas manias, perdoar seus erros, dividir com eles suas dores e alegrias, enfim, amá-los: nossas mães e nossas esposas (ou companheiras, chamem como quiserem).

O casamento é o “passe livre” vitalício (ao menos na teoria) que um homem recebe da mãe. Se algo der errado, é o colo dela que ele irá procurar imediatamente. A questão é que, com nossas esposas, nós lidamos com um fator totalmente diferente: sexo. E problemas no casamento sempre surgem quando o sexo deixa de ser a novidade e a prioridade. Pode chegar ao ponto de deixar de existir. Aí, a esposa passa a ser vista como uma segunda mãe: é quem cuida da casa, das crianças… E do marido.



Entra o segundo “passe livre”, o que dá título ao novo filme dos irmãos Farrelly e que é a chance dos caras (Owen Wilson e Jason Sudeikis) realizarem seus sonhos de infância: serem livres para fazer o que quiserem, sem terem que obedecer à mãe ou à esposa – e com o benefício de poderem transar! No entanto, o que eles fazem é jogar sujeira no ventilador, e depois não sabem como limpar sozinhos. Eles não amadureceram. Quando o personagem de Wilson diz que a semana de folga de casamento não são férias escolares, é exatamente o contrário que ele está vivenciando. É disso que Judd Apatow já falava em “O Virgem de 40 Anos” e “Ligeiramente Grávidos“. Tema que, na mesma esteira, John Hamburg abordou em “Eu Te Amo, Cara“. Em todos esses filmes, os protagonistas parecem ter visto “Quero Ser Grande”, com Tom Hanks, e levaram a ideia a sério demais.

O “passe livre” dos Farrelly não é uma folga do casamento, da relação com a esposa. Os protagonistas querem se ver livres de tudo: da rotina que não aprenderam a gostar, dos filhos pelos quais não tomaram plena responsabilidade, da vida adulta que nunca deixou de ser apenas idealizada. E para as mulheres, essa folga acaba se tornando uma revelação igualmente inesperada, o que acaba por transformar o filme não apenas numa comédia para homens, como é de se supor pela carreira dos Farrelly, mas também num chick flick na prática. Um chick flick que todo cara deveria ver. Para ser mais justo, é um perfeito programa de casal.

“Passe Livre” é a hipérbole cômica e rasgada do sentimento de culpa da traição, quase uma versão escrachada de “De Olhos Bem Fechados”. E por se tratar de um filme dos Farrelly, vá preparado para piadas grosseiras sobre sexo, politicamente incorretas e escatológicas. Isso faz parte do estilo de humor da dupla e eles sabem fazer esse humor muito bem. Talvez, desde “Quem Vai Ficar com Mary?”, mais de uma década atrás, os irmãos não faziam um filme tão engraçado, com o benefício, agora, de aliarem a comédia à reflexão sobre o comportamento masculino em suas relações afetivas, algo que eles já vinham aprimorando em “Amor em Jogo” e “Antes Só do que Mal Casado” (bem diferentes de Kevin Smith, que até hoje tem em “O Balconista” seu filme mais maduro).

Por mais que os filmes dos Farrelly não sejam fotograficamente refinados – e são raras as comédias americanas que se destacam nesse aspecto – Peter e Bobby passam a sensação de que sempre conseguem filmar o que querem e como querem. Eles sabem onde cortar para obter o efeito cômico, o que mostrar e o que omitir. E ainda fazem escolhas notáveis de músicas para a trilha sonora. Se falham ao não tornarem as canções intrínsecas às cenas, ao menos esbanjam bom gosto no fundo musical, indo das baladas old school como “Reflections of My Life”, do Marmalade, à agitação do Jon Spencer Blues Explosion, com citações de clássicos dos Beach Boys e Paul McCartney no meio. Sem falar das participações de Snow Patrol, Supergrass e Prodigy. Coisa fina também de ser ouvida.

Cabe ainda um parágrafo sobre o elenco, sempre muito bem escalado pelos diretores. Wilson é aquele caso de ame ou odeie (eu amo) e faz seu tipo de sempre (assim como seu amigo Ben Stiller em suas colaborações com os Farrelly). Sudeikis, mais um que sai da trupe do Saturday Night Live, é o coadjuvante que rouba a cena. É o novo Ed Helms, de “Se Beber, Não Case“, e finalmente é bem aproveitado em um filme, depois de fracas participações em “Amor à Distância” e “Caçador de Recompensas”. Jenna Fischer e Christina Applegate, experientes comediantes que são, dispensam apresentações (e estão gatíssimas, diga-se de passagem). Mas o maior feito do elenco é a presença de Richard Jenkins, esse monstro, com quem os Farrelly já haviam trabalhado rapidamente em “Quem Vai Ficar com Mary?” e “Eu, Eu Mesmo e Irene”. É a cereja do bolo.

Passe Livre (Hall Pass, 2011, EUA)
direção: Peter Farrelly, Bobby Farrelly; roteiro: Peter Farrelly, Bobby Farrelly, Pete Jones, Kevin Barnett; fotografia: Matthew F. Leonetti; montagem: Sam Seig; produção: Peter Farrelly, Bobby Farrelly, Mark Charpentier, J.B. Rogers, Bradley Thomas, Charles B. Wessler; com: Owen Wilson, Jason Sudeikis, Jenna Fischer, Christina Applegate, Nicky Whelan, Richard Jenkins, Stephen Merchant, Larry Joe Campbell, Bruce Thomas, Tyler Hoechlin, Derek Waters, Alexandra Daddario, Alyssa Milano; estúdio: Conundrum Entertainment; New Line Cinema; distribuição: Warner Bros. 105 min