Quem é o “Espetacular Homem-Aranha”?

Em certo momento de “O Espetacular Homem-Aranha”, uma professora de Peter Parker diz à classe que discorda de um colega que afirma que só existem dez modelos de enredo em toda a ficção. Para ela, existe apenas um, na verdade, uma única questão: “quem sou eu?”

 

O conflito de identidade está presente não apenas na maioria absoluta dos super-heróis, mas das pessoas comuns. A identidade é o que nos define na sociedade. Neste novo filme do Homem-Aranha, Peter Parker potencializa as características de sua personalidade ao se vestir como o herói. Já o Peter Parker de dez anos atrás não apenas se veste como o Homem-Aranha: ele se transforma no super-herói, se torna outra pessoa. Não é à toa que a Mary Jane é apaixonada pelo Homem-Aranha, e não pelo Peter. Existem, nesse “velho” Peter, um conflito de identidade e um conceito de personagem mais amplos – justamente os pontos que pautam “Homem-Aranha 2”, o melhor filme da franquia e um dos melhores do “gênero” super-herói.



 

Este recente filme é muito o reflexo dessa condição do novo Peter: ele não se transforma em algo diferente. O filme é um mero disfarce para um cinema que perdeu a vontade e a coragem de imaginar. A própria necessidade de mostrar mais a cara de Parker revela o quanto a fantasia (no sentido de narrativa fantástica e também no de vestimenta do herói) está sendo deixada de lado. Não me espantarei se, no próximo filme, Peter sequer vestir o uniforme para balançar pela cidade.

 

E afinal: qual é a necessidade de recontar a história do Homem-Aranha no cinema? Afinal de contas, apenas dez anos separam este filme do primeiro protagonizado por Tobey Maguire. Mudaram os atores, o diretor, o figurino, o vilão e a tecnologia, mas ainda assim estamos diante de um filme que não justifica o recomeço das aventuras do Cabeça de Teia. É diferente, por exemplo, dos novos filmes do Batman, que foram feitos com o propósito de recuperar a imagem do personagem, após o fracasso de “Batman & Robin” em 1997 – o fim de uma era para os filmes de super-heróis, que ressurgiram com “X-Men” no ano 2000.

 

Só que o primeiro “Homem-Aranha” não seguiu a tendência pseudo-realista e sombria ditada pelos mutantes e que acabaria por influenciar a maioria das adaptações de histórias em quadrinhos dali em diante, até chegar ao seu máximo, completando o círculo, curiosamente, com “Batman Begins”. O “Homem-Aranha” dirigido por Sam Raimi e estrelado por Tobey Maguire, Kirsten Dunst, James Franco e Willem Dafoe possui algo mais fantasioso, é um filme mais cômico e colorido – coisa que mais tarde seria eclipsada (embora não totalmente) na terceira e última aventura, onde o lado sombrio, enfim, venceu.

 

A necessidade de refazer o “Homem-Aranha” tem um lado comercial inegável e que provavelmente supera qualquer intenção artística dos realizadores do novo filme. Sem Raimi, Maguire e Dunst, que não toparam fazer um quarto longa, a Sony precisou recomeçar a franquia do zero para não correr o risco de ver os preciosos direitos do personagem voltarem para a Marvel (hoje um estúdio plenamente funcional, e não mais apenas dona de propriedade intelectual). Uma vez tomada essa decisão, não deu outra: seguiu-se a tendência de colocar os pés no chão, tornar as coisas mais críveis, mais “reais”, mais próximas do estilo “dark” com o qual o público (em especial, o adolescente) foi sistematicamente acostumado nos últimos dez anos.

 

E o resultado, pelo menos para quem não compra essa ideia de que é preciso ser sombrio para ser profundo, é um filme aborrecido e repetitivo.

 

Andrew Garfield faz um Peter Parker mais jovem e mais atrevido (e por isso mesmo arrogante e mal educado) que tem muito mais tempo de tela do que o próprio Homem-Aranha. Como dito anteriormente, sob a máscara ele potencializa essas características e o “amigo da vizinhança” é mais piadista e irônico do que o Homem-Aranha de Raimi e Maguire – características essas que, acredito eu, estão mais próximas do herói dos quadrinhos, pelo menos segundo o pouco que conheço do material de origem. Nesse sentido, também estão lá os lançadores de teia mecânicos, para a alegria dos fãs que torceram o nariz para a versão orgânica (e mais funcional) anterior. E a namorada de Peter agora é a Gwen Stacy (Emma Stone), a primeira mesmo, igual na HQ, e não a Mary Jane, a mais popular.

 

Em suma, os realizadores fizeram o que puderam para recomeçarem mais próximos do material original (ao menos nesses pormenores dedicados aos fãs), o que não passa de uma desculpa para dizerem que o que está na tela é novidade. Não é. O marketing chegou a anunciar que o filme traz a “história que não foi contada”, o que envolve uma injustificável subtrama, bandidamente não desenvolvida, sobre a origem e o destino dos pais de Peter (“Temos que deixar em aberto para o segundo filme!”, provavelmente disseram os produtores). Nem o vilão é tão novo assim: depois de três filmes sem que Dylan Baker pudesse se transformar no Lagarto, Rhys Ifans assume o papel do Dr. Curt Connors e se converte num inimigo pouco icônico, ainda que mais feroz. Mas o conflito de personalidade remete inegavelmente ao Duende Verde, ainda que o Lagarto tenha uma dubiedade que o humaniza, diferente do Norman Osborn do primeiro filme, que finge ser bonzinho quando lhe convém.

 

Pouco falei sobre a direção de Marc Webb porque, no fim das contas, sua visão é o que parece menos ter importado quando os produtores o contrataram. Diferente de Sam Raimi, que é um diretor que tem um estilo próprio, que é um autor visual, Webb não é uma má escolha, mas a escolha ideal para os propósitos do estúdio (que é o verdadeiro dono do filme, não sejamos ingênuos, caso contrário Raimi poderia ter feito filmes ainda melhores quando estava no comando da série). “(500) Dias Com Ela”, o filme de estreia de Webb, é um adorável anti-romance, onde o diretor mostra que sabe aproximar os personagens do público. E é isso que ele faz na maior parte do tempo em “O Espetacular Homem-Aranha”, já que demonstra desconforto ao filmar sequências de ação (com um ou outro momento digno de nota, como a luta na escola) e total despreparo na utilização do 3D (que é real, mas tem cara de convertido).

 

Sem mostrar qualquer coisa que seja que justifique o adjetivo “espetacular” do título, este novo “Homem-Aranha” é reflexo genuíno de uma geração, o que pode ser encarado como um fator positivo. Mas, infelizmente, o filme ser esse reflexo também é o que pode afastá-lo das gerações precedentes.