"Homem-Aranha: Através do Aranhaverso" (Spider-Man: Across the Spider-Verse, 2023), de Joaquim Dos Santos, Kemp Powers e Justin K. Thompson - Divulgação/Sony Pictures Brasil
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“Homem-Aranha: Através do Aranhaverso”: O que fazer quando a continuação é tão boa quanto o filme original?

Antes de ir ao cinema assistir a “Homem-Aranha: Através do Aranhaverso”, eu ouvi opiniões de pessoas distintas sobre o filme. Tinha quem não era fã do Homem-Aranha, mas gostava de filmes de super-heróis. Ouvi impressões de quem é apaixonado por todas as versões do Peter Parker e de quem gosta muito do Miles Morales. Escutei até gente que estava passeando no shopping em um domingo à tarde, olhou os filmes em cartaz e pensou: “Ah, vamos ver esse Homem-Aranha diferente aqui”. Apesar da variedade de pessoas, todas elas tinham a mesma opinião: “O filme é incrível”. Algumas ainda disseram que esta continuação era melhor do que o longa original. E a pergunta que ficou foi: mas como isso era possível?

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A produção de 2018 foi um marco em vários sentidos, sendo o principal a presença de um Homem-Aranha preto. Na época do lançamento, foi criada uma ligação entre o personagem e o público infantil negro muito significante. Aquelas crianças  conseguiram se reconhecer no protagonista, Miles Morales, e passaram a entender o cenário apresentado de uma forma mais verdadeira. E o impacto não veio apenas para as crianças: foi absurdamente significante para os adultos finalmente ver Morales na telona. Muita gente nem sabia que existia um Homem-Aranha negro, e ao ver este personagem de cabelo black, nariz grande e que adora a cultura hip hop, a identificação é genuína e instantânea.

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As técnicas de animação usadas no primeiro filme são geniais e também foram um diferencial para a produção, que se mostrou muito diferente do que costuma ser exibido nos cinemas comerciais. “Homem-Aranha no Aranhaverso” levou o público a uma imersão cheia de cores e elementos visuais vivos, que não deixavam a gente desgrudar os olhos da tela em nenhum instante, deixando a plateia empolgada com cada arte nova apresentada.



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Dito isso, “Homem-Aranha: Através do Aranhaverso” teoricamente não teria nada “novo” para mostrar nessas áreas, certo? Errado! A continuação consegue surpreender novamente nesses aspectos e em vários outros. Agora, Miles Morales (dublado por Shameik Moore) está ainda mais carismático. O personagem, no processo de descoberta sobre o quanto é poderoso e inteligente, vê sua autoestima e autoconfiança aumentar (e cá para nós, quando um adolescente preto descobre isso nele, o mundo fica pequeno). Seu relacionamento com a cultura preta dos Estados Unidos é mostrado através de seus tênis Air Jordan e por meio das músicas que estão em sua playlist, que encanta a todos.

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Assim como no filme de origem, as canções escolhidas aqui levam quem está no cinema para o mundo de Miles. Seus devaneios são compartilhados com o público através da trilha sonora, e mais uma vez, a escolha dos artistas é perfeita: nomes como Lil Wayne, A$AP Rocky, Swae Lee (que cantou, ao lado de Post Malone, o single oficial do primeiro filme, “Sunflower”) e 21 Savage enriquecem a trilha sonora com faixas que trabalham muito o R&B, o trap e o hip-hop.

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Além disso, o novo longa tem uma abordagem cultural ainda mais rica. A parte porto-riquenha da família de Miles, representada pela mãe Rio Moralez (Luna Lauren Vélez), está mais presente neste filme através de músicas e da língua espanhola nos diálogos. Há também um Homem-Aranha indiano (Pavitr Prabhakar, interpretado por Karan Soni), que apesar de ter pouco tempo de tela, consegue mostrar vários pontos interessantes da cultura do seu país.

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Outros dois personagens são bem interessantes e enriquecem o elenco preto do filme: Jessica Drew (Issa Rae) e o Spider-Punk (Daniel Kaluuya). Em sua primeira cena, Jessica já surpreende ao aparecer toda poderosa, em sua moto, fazendo muitas manobras perigosas. Assim como o público, Gwen Stacy (Hailee Steinfeld) fica espantada ao ver que aquela Mulher-Aranha está grávida e que isso não a impede de ser tão potente e inteligente, e ainda lutar contra o vilão de igual para igual.

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Já Hobie Brown, o Spider-Punk, é um personagem à parte e adorável por seu humor e carisma. Miles sente ciúmes dele porque Gwen fala muito sobre como Brown é divertido, inteligente e seu parceiro. Antes de nós vermos esse Aranha, não imaginamos o quanto ele poderia acrescentar à história, mas, já ao aparecer pela primeira vez, fica claro o motivo pelo qual a garota gosta tanto do novo herói. Além de ser autêntico e independente, o Spider-Punk é ativista e, ao longo do filme, solta críticas interessantíssimas contra o capitalismo, a sociedade, líderes poderosos etc. Tais falas poderiam soar densas para um blockbuster, porém, acontece exatamente o contrário: elas dão um tom de comédia único, do jeito que faz você rir porque sabe que é verdade tudo o que ele está dizendo. O personagem é sensacional.

"Homem-Aranha: Através do Aranhaverso" (Spider-Man: Across the Spider-Verse, 2023), de Joaquim Dos Santos, Kemp Powers e Justin K. Thompson - Divulgação/Sony Pictures Brasil
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E diga-se de passagem, os diretores Joaquim Dos Santos, Justin K. Thompson, Kemp Powers acertaram muito ao escolher os atores que deram voz a esses novos personagens. Issa (famosa por seu papel em “Insecure”) e Kaluuya (super conhecido por atuar em produções importantes na cultura preta, como “Corra!”, “Pantera Negra” e “Judas e o Messias Negro”) trouxeram muita personalidade aos seus papéis. Além disso, é interessante ver como a produção teve o cuidado de escolher um ator indiano para dar vida à Pavitr Prabhakar.

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E falando em novos personagens, não dá para deixar de fora o vilão. Em sua primeira aparição, Spot (ou Mancha, dublado por Jason Schwartzman) deixa a impressão de que será um personagem bobo, que não fará um verdadeiro mal ao protagonista. Soa como um alívio cômico, na verdade. Porém, ao longo da história, ele ganha força e descobre o quão é poderoso. Ao perceber o quanto Miles Morales destruiu sua vida, Spot se esforça para conhecer ainda mais seus poderes e resolve usá-los para tirar tudo de seu inimigo, assim como foi feito com ele.

"Homem-Aranha: Através do Aranhaverso" (Spider-Man: Across the Spider-Verse, 2023), de Joaquim Dos Santos, Kemp Powers e Justin K. Thompson - Divulgação/Sony Pictures Brasil
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Já conhecida do público, Gwen Stacy também está incrível e neste filme deixa de ser a coadjuvante da história e passa a ser a coprotagonista. Os roteiristas Phil Lord, Chris Miller e David Callaham fizeram um ótimo trabalho ao colocar a personagem com mais destaque. E um dos pontos mais interessantes é que, diferente de Miles, Gwen concorda com o acontecimento dos “eventos canônicos” e suas consequências, ou seja, ela aceita que seu pai, capitão da polícia, terá que morrer para que o multiverso continue em ordem. A garota traz o oposto dos ideais de seu grande amigo e, quando esses pensamentos se confrontam, o rumo da história parte para um conflito muito interessante.

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E como acontece em bons roteiros, há uma reviravolta que faz Spot não ser o único problema para Morales. O rapaz descobre o que são os “eventos canônicos” por meio de Miguel O’hara (Oscar Isaac), o Homem-Aranha 2099 já conhecido pelos fãs dos quadrinhos. Ele comunica a Miles que, para manter o multiverso em ordem, algo deve acontecer em todos eles: um capitão da polícia deve morrer ao tentar salvar uma criança de um desastre. Até o momento, isso estava dando certo, até que Miles salva um policial prestes a morrer. E a partir daí, as ramificações mudam e o caos se instala.

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Ao descobrir sobre os “eventos canônicos”, Miles lembra de algo muito importante: seu pai (Brian Tyree Henry) está prestes a se tornar capitão. Com isso, o jovem tenta voltar para seu universo e impedir que sua família seja vítima de uma tragédia. É quando a Sociedade-Aranha, liderada por Miguel, passa a perseguir Miles para que ele não consiga mudar o “destino”.

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Este conflito enriquece muito a trama e engrandece o protagonista, já que traz um dilema muito típico da vida de qualquer Homem-Aranha: sacrificar uma pessoa pelo mundo inteiro ou sacrificar o mundo inteiro por uma pessoa? É sobre grandes responsabilidades… E eu confesso que, de fora da história e longe destes problemas, minha decisão seria não interferir e deixar aquilo acontecer. Afinal, tudo pode se perder caso eu decida salvar uma única pessoa. Se eu interferir, posso perder ainda mais. Porém, quando se trata de família, o assunto muda de tom e, por isso, eu entendo o esforço de Miles e sua vontade de salvar o pai e também manter a estabilidade dos universos.

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Para representar as novas facetas do multiverso, os diretores utilizam ainda mais variedades de técnicas para diferenciar cada realidade, fazendo a experiência do público ser ainda mais divertida. Há cenas que contém tantos elementos visuais, e eles são tão vivos e interessantes, que podem prender facilmente a atenção de quem está em frente à tela.

"Homem-Aranha: Através do Aranhaverso" (Spider-Man: Across the Spider-Verse, 2023), de Joaquim Dos Santos, Kemp Powers e Justin K. Thompson - Divulgação/Sony Pictures Brasil
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Cenários e personagens são representados por meio de pontilhismo, grafite, colagem e aquarela, estilos que não estão ali apenas para contribuir visualmente, mas sim porque estão a serviço da história. O mundo da Spider-Gwen, por exemplo, usa uma ferramenta narrativa que liga as mudanças de humor da personagem às cores que nos  são mostradas. Já quando o Mancha aparece, os pontos pretos em seu corpo se movimentam de maneira independente, mostrando a complexidade deste personagem. E há também o visual único do Spider-Punk, que tem animações até mesmo quando ele está parado e é inspirado em pôsteres de bandas de punk rock. Há até mesmo inserções de live-action, linkando a animação com os filmes do Aranha protagonizados por Tobey Maguire e Andrew Garfield. Assim como no filme de 2018, toda essa miscelânea visual é ancorada pelo estilo gráfico que remete a páginas de HQs, com o uso da tela dividida na composição dos enquadramentos e inserção de notas de rodapé para explicar alguns termos citados nos diálogos.

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As relações familiares da produção também são abordadas de uma maneira bem bonita e íntima, de modo que filhos e pais consigam se identificar. Jeff e Rio Morales são mais desenvolvidos nesta sequência e a relação deles com Miles é muito bem apresentada, mostrando a forte ligação que existe na família. É nítido que toda a preocupação dos adultos com o jovem é sobre amor e cuidado, e que, apesar de ser um adolescente que deseja fazer as coisas sem precisar de aprovação, Miles também ama muito seus pais. E outro personagem para quem o laço parental tem grande importância é Peter B. Parker (voz de Jake Johnson), que retorna agora com a bebezinha Mayday (a futura Spider-Girl) a tiracolo.

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Comédia, amizade, romance e drama estão presentes na trama e essa combinação funciona muito bem no roteiro, que faz de maneira coesa a ligação entre os eventos do primeiro filme e a base construída para o terceiro, a ser lançado em 2024. Ao final, é possível compreender o motivo das pessoas estarem dizendo que “Homem Aranha: Através do Aranhaverso” é melhor que o longa anterior. Realmente é e o meu sentimento em relação a isso é apenas um: como é bom ter não apenas um, mas dois filmes incríveis. ■

filme Homem-Aranha Através do Aranhaverso

Nota:

filme Homem-Aranha Através do Aranhaverso

HOMEM-ARANHA: ATRAVÉS DO ARANHAVERSO (Spider-Man: Across the Spider-Verse, 2023, EUA). Direção: Joaquim dos Santos, Kemp Powers, Justin K. Thompson; Roteiro: Phil Lord, Christopher Miller, Dave Callaham; Produção: Phil Lord, Christopher Miller, Amy Pascal, Avi Arad, Christina Steinberg; Montagem: Michael Andrews; Música: Daniel Pemberton; Com: Shameik Moore, Hailee Steinfeld, Brian Tyree Henry, Luna Lauren Vélez, Jake Johnson, Jason Schwartzman, Issa Rae, Karan Soni, Shea Whigham, Greta Lee, Daniel Kaluuya, Mahershala Ali, Oscar Isaac; Estúdio: Columbia Pictures, Sony Pictures Animation, Marvel Entertainment, Arad Productions, Lord Miller Productions, Pascal Pictures; Distribuição: Sony Pictures; Duração: 2 h 20 min.

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