Foto: Divulgação

“Lady Bird – A Hora de Voar”: uma história verossímil sobre amadurecimento

[Esta crítica traz detalhes de cenas do filme que podem ser considerados spoilers.]

Estreia solo da atriz Greta Gerwig na direção, a comédia dramática “Lady Bird — A Hora de Voar” é uma homenagem da cineasta à fase coming of age e à cidade de Sacramento, capital da Califórnia. Assim como a protagonista, Greta também vivenciou essas duas experiências em 2002, apesar de alegar não ter escrito um roteiro autobiográfico.

Christine (Saoirse Ronan) é uma adolescente que insiste em ser chamada “Lady Bird”, mania petulante que só chega a ser divertida quando sua melhor amiga a imita assinando listas de presença com seu “Julie” (Beanie Feldstein) também entre aspas. As duas choram juntas cantando música pop, comem hóstias não consagradas entre outras besteiras, e conversam não apenas sobre garotos, mas sobre si mesmas e a descoberta de seus corpos. “Por que eu não sou como as meninas das revistas?” é uma preocupação (tão anos 90…) recorrente na trama. A menina confessa o desejo de vivenciar algo, pouco empolgada pela chegada de 2002, ano “apenas emocionante por ser um palíndromo”.

Christine (vou insistir em chamá-la assim) sempre toma a iniciativa. Seu primeiro namoradinho, Danny (Lucas Hedges), pratica sua sexualidade às escondidas, já Kyle (Timothée Chalamet) está ali para lembrá-la de experiências que podem ser decepcionantes. Seus dilemas e seu cabelo ruivo curto fazem lembrar a Angela vivida por Claire Danes na série “Minha Vida de Cão” (1994-1995). Seu quarto é cheio de colagens nas paredes e ela cria cartazes estilizados com recortes de fotos suas no lugar de cabeças de pássaros. E a inclinação artística da garota, prometida na sinopse, para por aí. Apesar das maçantes apresentações na peça ensaiada pelos alunos, descobrimos, em outra cena cômica, que mesmo o conhecimento musical da jovem é limitado quando ela pergunta ao irmão: “Quem é Jim Morrisson mesmo?” Alanis Morissette, Justin Timberlake e Dave Matthews Band completam a trilha sonora recheada de country.



Christine e sua mãe — Marion (Laurie Metcalf) — a princípio parecem ter uma relação afetuosa, chorando no carro ao ouvir o audiobook de “As Vinhas da Ira”. Apesar de se amarem, as duas têm personalidades fortes e nem sempre se entendem ou se conectam, e a filha oscila numa linha tênue entre ambição e ingratidão. A mãe percebe que ela tem vergonha quando diz aos amigos coisas como “eu moro do lado errado dos trilhos”, sem ser uma metáfora. Mesmo pedindo para ele parar o carro um quarteirão antes (um clássico), a menina se relaciona melhor com o pai — Larry (Tracy Letts) –, que ao menos bate na porta do quarto dela antes de entrar.  

Para conquistar o sonho de se mudar para uma universidade longe dali ela é capaz de sabotar notas e colar nas provas na escola católica, de onde já foi até suspensa por questionar aborto. O amadurecimento da personagem é marcado pelo trabalho de verão numa lanchonete e por quando seu gesso rosa do braço (quebrado por uma atitude de revolta) é jogado bruscamente no lixo. Ela então para de mentir para agradar e se diverte no baile acompanhada por Julie, sempre deixando as freiras de olhos arregalados. Sopra a velinha do cupcake no aniversário de 18 anos, passa no exame de direção, pinta as paredes do quarto, aberta a uma nova fase. Quando Lady Bird finalmente alça voo, a perdemos de vista um pouco, enxergamos o trajeto através da janela do avião. Vimos sua conexão com a infância ao notar o bicho de pelúcia entre as coisas que carregou, entre as quais ela também encontra várias tentativas de cartas amassadas da mãe salvas em um envelope pelo pai, momento mais sensível do longa.

Depois do primeiro porre homérico, acorda na maca do hospital com o rímel borrado, aspecto de um pássaro abatido. A conquista tão sonhada opera nela outras transformações palpáveis. Christine passa a se apresentar pelo nome de batismo, assume sua cidade natal e ainda chacoalha as mãos ao cumprimentar. Honra suas origens ao continuar assistindo à missa de domingo e é capaz de demonstrar gratidão merecida pela mãe em mensagem na secretária eletrônica.

Talvez a irmã Sarah (Lois Smith) tenha razão quando disse que “amor e atenção são a mesma coisa”, e esta seja a grande lição do filme, que conta com uma protagonista feminina interessante e verossímil, obra marcante por garantir a histórica quinta indicação (!) de uma mulher ao Oscar de Melhor Direção. 

“Lady Bird – A Hora de Voar” está em cartaz nos cinemas.