Rudo e Cursi

Quem torce de verdade para algum time de futebol já deve ter assistido a uma cobrança de pênalti com a sensação de que o resultado daquela cobrança (seja o gol ou uma defesa milagrosa do goleiro) era tão importante que influenciaria sua vida dali pra frente. Para os irmãos Rudo e Cursi isso vai muito além da sensação. Duas cobranças da penalidade – Cursi (Gael García Bernal) batendo e Rudo (Diego Luna) no gol – definem o futuro dos dois. Ambas acontecem em momentos distintos do filme e com dramaticidade e ênfase completamente diferentes, refletindo muito bem a realidade vivida pelos irmãos em cada momento do filme.

Rudo e Cursi vivem numa cidade rural do México e trabalham com cultivo de bananas. De família muito pobre, Cursi sonha em ser cantor, embora possua apenas uma música em seu repertório e não tenha nenhuma habilidade vocal – o narrador do filme chega a dizer que ele não sabe diferenciar paixão de talento. Entretanto, é a presença de um olheiro em uma partida de várzea que faz surgir para os irmãos a possibilidade de uma vida diferente do que Cursi planejava para seu futuro, mas com que Rudo sempre sonhou.



A partir de então, uma parcela de inocência e falta de planejamento somada ao sucesso e ao dinheiro rápido geram contrastes interessantes que algumas vezes chegam a ser cômicos. Rudo, que sempre gostou de uma mesa de jogos, troca o carteado e as brigas de galo por corridas de cavalos e apostas em cassinos. Cursi, um romântico introvertido (interpretado por Gael de forma impecável) se envolve com uma “Maria chuteira” de beleza tão extraordinária quanto sua falta de caráter.

A história é simples e algumas vezes previsível, mas Carlos Cuarón (roteiro e direção) consegue criar o clima certo para todas as circunstâncias, chegando bem perto da barreira com o ridículo, mas sem ultrapassá-la em momento algum. União, amizade, brigas, inveja e o compartilhamento de um sonho – construir uma casa enorme para a mãe – compõem o relacionamento dos dois protagonistas. Tudo é feito de forma muito natural e é quase impossível, para quem tem um irmão ou uma irmã, não se identificar em algum momento do longa.

O filme ainda conta com algumas sacadas ótimas – como o penteado exótico adotado por Cursi quando atinge o estrelato e os rituais de “batismos” aplicados pelos veteranos das equipes de futebol nos dois novatos – e um figurino fantástico, que para nós brasileiros pode parecer exagerado, mas diz muito da cultura mexicana. O conto de fadas acontece, os irmãos viram craques reconhecidos e cultuados em todo território mexicano, mas a todo instante Cuarón não nos deixa esquecer que seu filme não é fantasia, é vida real. Encontrar casos semelhantes aos vividos pelos dois irmãos é mais fácil do que parece, e o futebol brasileiro está cheio deles.

“Rudo e Cursi” chegou a ter estreia nos cinemas brasileiros marcada para março deste ano, mas acabou ficando de fora das telonas (logo no “país do futebol”) e foi lançado recentemente em DVD. Uma pena… Quem estiver em São Paulo pode conferir o longa na telona esta semana em uma das sessões do 4º Festival de Cinema Latino-Americano, onde é apresentado com o título “Rude e Brega” (veja a programação).

nota: 8/10 -– compre o DVD

Rudo e Cursi (Rudo y Cursi, 2008, México/EUA)
direção: Carlos Cuarón; roteiro: Carlos Cuarón; fotografia: Adam Kimmel; montagem: Alex Rodríguez; música: Leoncio Lara; produção: Alfonso Cuarón, Alejandro González Iñárritu, Guillermo del Toro, Frida Torresblanco; com: Gael García Bernal, Diego Luna, Guillermo Francella, Dolores Heredia, Adriana Paz, Jessica Mas, Salvador Zerboni; estúdio: Canana Films, Cha Cha Cha, Esperanto Filmoj, Focus Features, Producciones Anhelo, Universal Pictures; distribuição: Universal Pictures. 103 min