Pretérito imperfeito

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Em duas cenas em que Jack Harper (personagem de Tom Cruise), uma espécie de mecânico que trabalha como técnico de Drones (robôs que fazem a vigilância do planeta no ano de 2077), conversa com Julia (Olga Kurylenko), única sobrevivente de um acidente aéreo que ele encontra durante uma patrulha, “Oblivion” faz uma bela reflexão sobre a importância das lembranças, que são o que constróem o ser humano, que constituem o “eu”. Sem memória, não somos indivíduos, apenas seres sem história, que agem ou vivem em função de funções (que é a crítica feita ao american way of life, viver numa rotina que se encerra nela mesma, sem reflexão, sem pensamento, sem evolução, preso a uma aparência limpa e pacífica, sem conflito algum).

“Oblivion” (que significa o efeito de “olvidar-se”, isto é, “esquecer-se”) é uma visão apocalíptica, da impessoalidade à qual a sociedade pode se dirigir caso continue se automatizando. Não é uma visão nova ou original, e mesmo o desdobramento da descoberta de Jack ao encontrar Julia não é novidade. Mas o diretor e roteirista Joseph Kosinski (em seu segundo longa, após a estreia com o divertido “TRON: O Legado”) consegue manter a trama intrigante e a amarra bem, embora de fato haja ali uma deficiência narrativa. É como se o cineasta estivesse tentando dar uma ideia de estranhamento ao público (especialmente a partir do encontro entre Jack e Julia), mas, ao mesmo tempo, estivesse ciente de tudo o que está por vir. O fato é que ele está ciente, afinal, é o autor da história. O problema é que, como diretor/narrador, Kosinski não consegue fingir que está descobrindo tudo aquilo junto com o personagem e com a plateia. Sua percepção não parece se misturar à nossa. Fica uma coisa até meio impessoal, sem fascínio, que é justamente o que ele critica.



Ainda assim, auxiliado por efeitos visuais muito bons, “Oblivion” oferece uma visão contemplativa do apocalipse (gosto particularmente do modo como a Lua é apresentada), valorizando os espaços e as composições da fotografia de Claudio Miranda, que há bem pouco tempo já havia impressionado com seu trabalho junto a Ang Lee em “As Aventuras de Pi” (ele também fez a fotografia de “TRON: O Legado” e “O Curioso Caso de Benjamin Button”, de David Fincher). Só é uma pena que a geografia de boa parte do filme seja limitada a Nova York, mas entende-se essa escolha pela referência (dentro da proposta, faz sentido concentrar a ação num espaço demarcado; a questão é que o estádio, por exemplo, que não é um ponto turístico como o Empire State Building, surge mais forte, porque tem uma história do personagem ali, uma coisa única, enquanto no Empire State é uma coisa comum, que já vimos em outros filmes do mesmo jeito, um encontro no alto do prédio etc.; mas não deixa de ser bonito).

Uma das cenas que mencionei na abertura do texto se passa próximo da cabana no meio da floresta, local que Jack utiliza como refúgio da assepsia de sua casa flutuante acima das nuvens. É neste local que o filme trabalha, além da já mencionada importância da memória, um conceito que é próprio do homem enquanto ser vivo: se sentir pleno quando em meio à natureza. É como se, por fazer parte dela, o ser humano se sentisse em casa, junto ao que é natural.

Ainda numa das escapadas de Jack da zona de segurança que ele deve respeitar, o personagem demonstra que, apesar de criatura técnica, ele detém a curiosidade, característica muito mais humana do que simplesmente animal, de desejar intensamente respostas e buscar por elas. Jack, então, encontra os refugiados liderados pelo personagem de Morgan Freeman e aí o filme retorna à algo tão fundamental e primordial quanto o pensamento aristotélico:  o homem é um ser social; o que vive isoladamente ou é um Deus ou uma besta.

O Deus é representado pela nave TET, um centro de comando e criação. As bestas são os Drones, que carregam a óbvia referência ao computador HAL 9000 de “2001: Uma Odisseia no Espaço”, de Stanley Kubrick, e fazem,  também, uma crítica ao combate ao terrorismo (uma política de superproteção que acaba por inibir o conhecimento e coibir a liberdade do cidadão). Máquinas semelhantes aos Drones já existem, com o mesmo nome, e, como no filme, “falham” ao distinguir o aliado do inimigo; algo, aliás, que o “RoboCop”, de Paul Verhoeven, já havia profetizado na figura do robô ED-209, outra referência para Kosinski, até pela forma brusca e imponente como os Drones se armam para atacar.

Trilha sonora

Uma menção especial ao trabalho dos franceses do M83, que eu até então desconhecia. A música é ótima, dá um clima bacana ao filme remetendo ao new wave dos anos 70/80. E numa breve pesquisa descubro que o nome da banda vem de uma galáxia. Ou seja, escolha mais que apropriada de Kosinski ao convidá-los. Os videoclipes da banda também possuem várias referências à ficção científica e efeitos cinematográficos. Vale a pena conhecer.

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