Jaguar

Em 1954, Jean Rouch iniciou as filmagens de um projeto que, segundo ele, serviu como base para todos os que viria a fazer ao longo de seus mais de 50 anos de carreira. “Jaguar” é fruto de um desejo do cineasta, antropólogo e etnólogo de estreitar totalmente a fronteira entre realidade e ficção. Para isso, decidiu fazer um filme ficcional a partir de personagens verdadeiros (idéia que repetiria mais tarde em “Eu, um Negro”). O processo se tornou ainda mais interessante e revelador quando ele levou seus “atores” para um estúdio e pediu a eles que comentassem espontaneamente as cenas filmadas.
“Jaguar” (o título se refere ao carro Jaguar, que se tornou símbolo para rapazes que estavam na moda nos anos 1950) é, ao mesmo tempo, um relato antropológico e etnólogico sobre a cultura e as tradições dos habitantes do Níger e um filme de viagem sobre jovens que se aventuram na tentativa de fazer a vida na Costa do Ouro (atual Gana). Antes de partirem, Rouch nos apresenta a cada um deles ainda em seu povoado, mostrando como são suas rotinas diárias ali, os preparativos para a jornada e as bençãos recebidas. Depois, os acompanhamos pela longa caminhada durante a qual eles compartilham com o espectador suas impressões sobre tudo aquilo pelo que passam.
A improvisação das falas gerou um um filme em que Rouch subverte, experimenta e brinca com a linguagem, ao ponto de não sabermos qual realidade foi documentada. Na verdade, são duas: além do que se vê nas imagens, temos a percepção (inventada ou não) de seus próprios personagens. Mas talvez ainda mais interessante do que esse jogo metalingüístico seja o espírito de comunhão com que Rouch realizou “Jaguar”, dando plena voz àquelas pessoas e criando, assim, um filme em que elas nos falam, e não um filme que nos fala sobre elas. Uma interação pouco vista no cinema, seja naquela época, seja hoje em dia.
Jaguar (1967, França). Direção: Jean Rouch.
O DVD
Título nove da Coleção VideoFilmes, “Jaguar” é apresentado em um vídeo de boa qualidade, em tela cheia (mesma razão de aspecto original), e com uma faixa de áudio 2.0. É um DVD simples e traz como encarte uma breve entrevista com Jean Rouch e outros dois depoimentos do diretor sobre sua obra.
O material extra consiste apenas da filmografia completa de Rouch (em formato texto) e um curta realizado por ele em 1971, chamado “Os Tambores do Passado”. Nele, o cineasta filma, em um plano-seqüência de 10 minutos, um ritual realizado em uma vila no Níger, no qual os moradores pedem aos espíritos proteção para a colheita. Rouch registra o momento em que os participantes da dança são “possuídos” e sua câmera passa a fazer parte do transe em que aquelas pessoas entram.
Da mesma forma como “Jaguar” deve ser visto em conjunto com “Eu, um Negro”, “Os Tambores do Passado” serve como complemento ideal para “Os Mestres Loucos”, curta que acompanha o DVD anterior da coleção.