É muito comum ouvirmos a expressão “filme de arte” quando alguém fala de produções que são exibidas no chamado “circuito alternativo”, aquelas salas de cinema que ficam fora dos shopping centers. Um filme como “Onde o Mar Descansa”, que acaba de ser lançado no Brasil, fatalmente receberá essa alcunha. Mas, na verdade, o mais adequado seria classificá-lo como “filme de artes”, no plural. Isso porque o trabalho dirigido por André Semenza e Fernanda Lippi representa muito bem a pluralidade característica do cinema enquanto forma de expressão artística.

ONDE O MAR DESCANSA: O não lugar da dor

Onde o Mar Descansa (Sea Without Shore, 2015)

É muito comum ouvirmos a expressão “filme de arte” quando alguém fala de produções que são exibidas no chamado “circuito alternativo”, aquelas salas de cinema que ficam fora dos shopping centers. Um filme como “Onde o Mar Descansa”, que acaba de ser lançado no Brasil, fatalmente receberá essa alcunha. Mas, na verdade, o mais adequado seria classificá-lo como “filme de artes”, no plural. Isso porque o trabalho dirigido por André Semenza e Fernanda Lippi representa muito bem a pluralidade característica do cinema enquanto forma de expressão artística.



No filme, você encontra elementos da literatura, já que os diálogos são de essência poética; existe a performance que vem da dança, nas cenas em que a protagonista, Lívia Rangel, expressa sua dor pela perda da companheira (papel de Lippi); percebe-se também influências da pintura na belíssima fotografia em cinemascope de Marcus Waterloo; sem falar na música concreta composta por Andrew Mackenzie. O cinema entra com sua especificidade na junção de todas essas artes e permitindo ao espectador ter acesso a lugares e a emoções que, isoladamente, o teatro, a literatura, a dança, a pintura e a dança poderiam não proporcionar ou captar.

Neste momento, você pode estar se perguntando: “mas qual é a história do filme?” Não se preocupe com isso. “Onde o Mar Descansa” não é cinema narrativo — mas tampouco experimental. Semenza e Lippi não estão usando a tela como laboratório, eles sabem exatamente o que estão fazendo. Eles não querem contar uma história ou explicar como aquele romance acabou. O filme é uma viagem introspectiva e contemplativa sobre a dor da perda em um relacionamento, no caso, entre duas mulheres, no final do século 19. As imagens mostram que elas estão em um local isolado da civilização, cercadas por uma floresta densa e um imenso lago durante o inverno. Um cenário que pode representar a saída encontrada por elas para viverem o romance longe do preconceito da sociedade. Ou não: aquelas imagens, de caráter acima de tudo simbólico, podem ser vistas como projeções subconscientes de uma pessoa que ainda está sob o impacto do fim de uma vida a dois, sentido-se absolutamente isolada.

Conforme bem classificam os diretores, trata-se de uma narração no estilo “monólogo interior”. E dali saem momentos de ternura, como lembranças que se tem de um amor bem vivido, mas também momentos de desespero que se aproximam do terror, vindos da desesperança de se estar só, com a sensação de impotência diante de uma perda irreversível.

“Onde o Mar Descansa” é um filme de fruições muito particulares e individuais. Pretensão e arrogância dizer que “não é filme para qualquer um”, mas, sem dúvida, trata-se de uma experiência que demanda cumplicidade do espectador, para que ele também alcance a profundidade a que Semenza e Lippi se propõem chegar, neste mar tão distante da margem. ■